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#Artigo: Convivência escolar e juventude

08/12/2015

O representante da FUG Nacional, Marcio Carvalho, fala sobre convivência escolar e juventude em seu novo artigo. Confira o texto na íntegra (abaixo) ou acesse a versão em pdf do material: http://bit.ly/1NTbjpr.

1 INTRODUÇÃO

 

Ao pesquisarmos sobre juventude e convivência escolar, identificamos “lacunas” conceituais e uma distância entre a produção acadêmica sobre juventude e a produção sobre convivência.

É recorrente (na experiência do autor) em debates com professores e profissionais da educação sobre jovens e o ensino médio, ouvirmos a utilização de termos e expressões como “desinteresse”, “não se importa”, “rebelde”, “aborrescente” “não querem nada” e outros termos e expressões que não convergem diretamente para o foco deste artigo. Quando tratamos da relação destes jovens entre si, com seus professores e com o conjunto do corpo diretivo da escola e demais servidores, esta avaliação (na maioria das vezes) tende a ser ainda mais negativa.

Aqui é necessário esclarecer, que nosso olhar será para jovens estudantes do Ensino Médio (idade “ideal” entre 15 e 17 anos, porém não excluindo as idades consideradas “fora do ideal”), seus professores e equipe de servidores da educação.

A faixa etária predominante em questão é de 15 a 17 anos, considerada por alguns autores na separação de períodos da juventude como jovem-adolescente (18 a 24 jovem-jovem e de 25 a 29 anos jovem-adulto). Segundo o Estatuto da Juventude (Brasil, 2013), jovens são pessoas com idade entre 15 e 29 anos.

O conceito contemporâneo de “juventude” no Brasil não é muito debatido no dia-a-dia das escolas. Segundo a Professora Regina Novaes (2012), da UFRJ, na “sociedade e nos governos, ainda são vigentes muitos (pré)conceitos e projeções sobre ‘a juventude’ que dificultam o (re)conhecimento das atuais vulnerabilidades e potencialidades dos jovens brasileiros”.

As questões que podem surgir ao refletirmos sobre essa condição são:

É possível trabalhar a convivência escolar criativa e produtiva sem a assimilação do contexto e do conceito sobre juventude pelos atores envolvidos?Quais conceitos podem auxiliar na compreensão das funções educativas e nos desafios dos demais atores sociais da escola (professores, direção administrativa, coordenação pedagógica e serviços gerais)?Unindo estes contextos à realidade pedagógica e estrutural da escola, quais serão os resultados? E com a não compreensão destes conceitos e contextos pelos atores, quais resultados surtem na convivência dentro da escola?

 

O artigo vai trabalhar na área de convivência escolar com os conceitos de convivência, conflito, empatia, cooperação, disciplina, indisciplina e valor. Na área de juventude serão abordados os conceitos de emancipação e juventude. Após a exposição conceitual de alguns autores sobre estes conceitos, faremos um exercício de análise do contexto geral da juventude, através dos dados apresentados pela pesquisa “Agenda Juventude Brasil – Pesquisa Nacional sobre o perfil dos jovens brasileiros 2013” da Secretaria Nacional de Juventude – SNJ do Governo Federal. A análise realiza uma aproximação entre os conceitos de convivência escolar, juventude e práticas pedagógicas na escola.

 

2 sobre convivência escolar

 

Desmontando os conceitos da área de “convivência escolar”, percebemos que é necessária a avaliação de outros termos para a sua compreensão, como o próprio conceito de convivência, além de conflito, empatia, cooperação, disciplina, indisciplina e valores.

 

2.1 Conceito de Convivência

 

O ambiente escolar vem sendo cada vez mais objeto de estudos de diversos pesquisadores nas mais diversas áreas do conhecimento. Ao analisar o conceito de convivência, buscamos o descrito por Evans (2013) e outros, no artigo “Conversando sobre la convivencia em la escuela: Uma Guía para el auto-diagnóstico de la convivencia escolar desde las perspectvias docentes” que define dois enfoques gerais  para o estudo da convivência escolar, são eles:

Normativo-Prescritivo: Aborda a convivência em função de um conjunto de premissas referidas na prevenção da violência ou da qualidade da educação; eAnalítico: Se interessa por desvendar e compreender a convivência como fenômeno relacional e como experiência subjetiva.

O mesmo artigo citado acima define convivência escolar como “el conjunto de prácticas relacionales de los agentes que participan de la vida cotidiana de las instituiciones educativas, las cuales, constituyen um elemento sustancial de la experiência educativa, em tanto que la qualifican” ( EVANS, Cecília Fierro e outros, 2013 , pg. 106).

O estudo da convivência na escola não se limita ao tema indisciplina ou somente sobre a violência que muitas vezes ocorre dentro da escola. O estudo da convivência na escola expõe muitos outros temas e também se interessa pelas relações e contextos entre os agentes dentro do espaço escolar.  Vários autores analisam os problemas destas relações e propõem uma nova perspectiva para estas visando o cumprimento da função social da escola como espaço de desenvolvimento da emancipação e autonomia dos jovens.

Estêvão (2008) sintetiza novas dimensões de uma escola comunitativa e convivencial:

Assim, esta escola deve estruturar-se de modo a levar os seus actores: a reaprenderem a depender do outro, sem se transformarem em escravos, mas como partilha de poder; a não substituírem a alegria de viver pelo prazer de aplicar uma medida ou de cumprir normas; a saberem acompanhar os educandos, evitando apassivá-los; a aprenderem a cooperar, a partilhar, a respeitar diferenças, a ser solidários, a ser tolerantes; desenvolverem as pessoas, não enfocando o trabalho educativo somente no rendimento académico; a promoverem a confiança (não criando barreiras, por exemplo, entre os que sabem e os que não sabem); a praticarem uma pedagogia diferenciada no desenvolvimento do currículo comum; a fomentarem a reciprocidade e a justiça do reconhecimento; a dinamizarem a participação; a educarem para a autonomia que não anule a rebeldia. (ESTÊVÃO, Carlos Vilar 2008, p. 509).

 

A convivência escolar exige, dos seus atores, diagnóstico (e/ou autodiagnóstico), planejamento e comunicação intensa.  Como definiu Evans e outros (2013):

La convivencia se entende como un proceso constructivo continuo, a base de transaciones, negociación de significados, elaboración de soluciones, el cual va creando um referente común que genera um sentido de familiaridad, que llega a formar parte de la identidade del grupo y quienes participan em él (Hirmas y Eroles, 2008). (EVANS e outros, 2013, p. 106).

A escola de viés conteudista transforma o espaço escolar em uma mini-fábrica onde mais vale a produção em massa, tornando os conteúdos fragmentados e a formação meramente instrumental. Agregar ao planejamento institucional a análise das relações entre os atores torna perceptível a realidade e contexto social em que escola está inserida. Algumas tensões e dificuldades vividas na escola tem características locais e até mesmo pontuais, o não entendimento deste processo pode gerar soluções generalistas e rasas que, por princípio, não será resolutivas.

Os próximos conceitos visam oferecer um leque de possibilidades de conexões entre temas e áreas.

 

2.2 Conflito

 

Entrar numa escola onde os jovens, cheios de energia, extravasam alegria e contentamento, muitas vezes, pode parecer uma cena de possível conflito. O termo tem sido utilizado muitas vezes para retratar fatos ou momentos de forma negativa. Nessa perspectiva, as ações voltam-se para a prevenção de conflitos ou até para que os mesmos não existam. É preciso separar o conflito n
ocivo e entender que, na fase de desenvolvimento dos jovens, o conflito é uma questão presente. Qual profissão? Entretenimento ou estudo? Qual rumo darei à minha vida? Quem são minhas referências?

Ao não entender o conflito como parte integrante das relações na escola, a ação pelo não conflito acaba por criá-lo. A escola não pode querer abafar as contradições individuais e coletivas do contexto em que está inserida, poderíamos resumir esta ideia com a frase “a escola não é uma ilha”.

Teixeira (2011) ao apresentar sua perspectiva sobre conflito cita:

Segundo o ponto de vista tradicional, o conflito é entendido numa perspectiva negativa, algo que deve ser prevenido e evitado. Esta visão restringe-se apenas a algumas dimensões e aspectos do conflito. Segundo os seus defensores, o conflito deve ser evitado, centrando esforços nas suas causas e corrigindo os defeitos e as danificações dele produzido. (TEIXEIRA, 2011, p. 29).

 

O conflito está presente na vida cotidiana da escola e de seus atores.

A Pesquisa Nacional por Amostra de Domicílios (Pnad) de 2012 apresenta os seguintes números: 18 milhões de pessoas entre 15 e 24 anos estão fora da escola e 1,8 milhão não cursaram o ensino médio (17,9% do total de jovens). Entre 18 e 24 anos, fase de ingressar em uma universidade, mais de 14,6 milhões não estudam (64,8% do total de jovens nesta faixa etária).

A escola de ensino médio brasileira ruma para uma excessiva pressão e submissão ao Exame Nacional do Ensino Médio (Enem), como se o mesmo fosse o objetivo único da formação nesta etapa da educação. Aqui cabe ressaltar que o exame como avaliação tem seus méritos, porém, alcançar uma boa nota no Enem não pode ser considerado o “objetivo único” dos estudantes de ensino médio. Ao refletir o conjunto do processo, o próprio jovem sabe que não há vagas para todos os inscritos. É necessário que a escola de ensino médio tenha uma função social clara para a sociedade e, principalmente, para o jovem.

Ainda sobre conflito, Teixeira (2011) conclui:

Torna-se necessário fazer uma boa gestão dos conflitos para solucioná-los podendo passar pela negociação ou por outras estratégias e não a sua eliminação (Rahim, 2001). Como o conflito é um fenómeno incontornável é essencial compreendê-lo e geri-lo da melhor maneira possível para que os seus aspectos positivos sejam utilizados e os negativos anulados (Cunha, 2004). (TEIXEIRA, 2011, p. 34)

 

Não eliminar o conflito e entendê-lo como parte do processo educacional, dentro de um contexto específico que a escola está inserida, passa também a ser um desafio do sistema educacional brasileiro.

 

2.3 Empatia

 

Nos estudos sobre convivência escolar encontramos muitos textos sobre  empatia. É preciso entender o espaço escolar como espaço completo, de trocas e de vivências.

Segundo Sampaio (2009):

Apesar das divergências conceituais e metodológicas envoltas na temática, existe consenso entre os teóricos a respeito da forte influência que a empatia pode exercer nos processos de tomada de decisão, especialmente quando esta se refere a questões ligadas ao cuidado, respeito e moralidade. Por outro lado, constatou-se que a avaliação causal da situação, bem como de outras habilidades cognitivas (principalmente a capacidade de tomada de perspectiva), tem o potencial para mediar e influenciar as respostas afetivas que serão experimentadas no self. Outros dados sugerem haver diferentes tipos de afetos quando o indivíduo experiência aquilo que os pesquisadores têm chamado de episódios empáticos. Mais especificamente, os dados de pesquisa indicam a existência de sentimentos de perturbação e desconforto que são sentidos no self quando se observa alguém sofrendo, em perigo ou desvantagem. Todavia, observa-se também que, diante do sofrimento de alguém, as pessoas podem sentir piedade, compaixão e um desejo claro de ajudar quem está sofrendo, o que indica existência de diferenças qualitativas nas respostas emocionais da empatia e reforça a tese de que a empatia deve ser compreendida como construto multidimensional. (SAMPAIO, 2009, p. 224-225)

 

O sistema capitalista reforça a cultura do individualismo e de mercado, onde a competição é regra básica, não há espaço para todos, somente poucos conseguirão chegar ao topo do pódio, e, na maioria das vezes, à custa da exploração do trabalho de muitos. Pensando em uma escola e uma juventude criativa e inovadora é necessário superar esta cultura. Entender e estimular os “episódios empáticos” visa contribuir para uma reflexão do indivíduo em coletivo, onde o afeto e a colaboração são parte do processo educacional.

 

2.4 Cooperação

 

A cooperação muitas vezes é tratada como uma “obrigação” do sujeito. Segundo Camargo (2012) “na Espistemologia Genética, o conceito de cooperação é compreendido de, pelo menos, duas formas: como metodologia e como produto”.

Camargo (2012) define:

Existe, de acordo com Piaget, um paralelismo entre o desenvolvimento intelectual e o desenvolvimento moral. O segundo depende do desenvolvimento do primeiro, tendo-o como uma condição necessária. Isso porque o desenvolvimento moral supõe a saída de um estado predominantemente egocêntrico e regido pelo respeito unilateral para outro que se compõe a capacidade de se descentrar cognitivamente – essa capacidade é cognitiva. Em contrapartida, se a capacidade cognitiva possibilita o desenvolvimento moral instrumentalizando o pensamento, a moral fundamenta este instrumento ao capacitar o sujeito para levar em consideração tanto o contexto em que se inserem as relações sociais como o sentimento de respeito, possibilitando autonomia de consciência. (CAMARGO, 2012, p. 528).

 

A sociedade das regras de “mercado” costuma castrar a possibilidade de levar em consideração o outro. Nesta sociedade é o individualismo que impera, a competitividade e o pensamento no outro (na sociedade de mercado) é uma simples análise de público potencial. A superação destas regras passa por uma prática educacional alicerçada em outros princípios, na compreensão de cooperação em outra lógica.

Ainda citando Camargo (2012):

No texto Os Procedimentos da Educação Moral, Piaget (1930/1998) apresenta quatro formas de compreender a cooperação:

Como um elemento da moral autônoma que tem sua fonte no sentimento de respeito – neste caso, respeito mútuo. O sentimento de respeito é o que levará ao sentimento de obrigatoriedade, fonte da moral. Assim: “[…] o respeito constitui o sentimento fundamental que possibilita a aquisição das noções morais” (Piaget, 1930/1998, p.27).A personalidade é possível a partir da cooperação e não anula o egocentrismo e heteronomia (eles coexistem), assim, mesmo a relação de cooperação sendo uma superação das relações, essas duas morais coexistem. Assim: “[…] a verdadeira cooperação é tão frágil, e tão rara no estado social dividido entre os interesses e as submissões, assim como a razão permanece tão frágil e tão rara em relação às ilusões subjetivas e aos pesos das tradições.” (Piaget, 1951/1965, p.111).A cooperação inicia sua manifestação com o princípio de igualdade, amparado na noção de justiça, como um fator de igualitarismo, é a primeira manifestação da cooperação. Assim “A adesão aos grupos e a cooperação se convertem em fatores de igualitarismo. A partir daí, a criança colocará a justiça acima da autoridade e a solidariedade acima da obediência” (Piaget, 1930/1998, p.31).O respeito mútuo é o limite do respeito unilateral. Piaget (1930/1998, p.37). (CAMARGO, 2012, p. 530).

Quando trabalhamos com juventude, necessitamos entender com profundidade o conceito de “autonomia”. No caso específico do conceito de cooperação, Camargo (2012) define que “o produto do respeito mú
tuo é a superação da heteronomia moral”. A autonomia é a não sujeição a uma lei exterior ou vontade de outros. Não há cooperação entre pessoas com relações desiguais. As relações baseadas em coação ou dependência não produzem situações de cooperação. No espaço escolar se torna necessário criarmos situações e vivências de cooperação, na acepção da palavra, Camargo (2012) define:

As definições destacadas que caracterizam a cooperação podem ser agrupadas da seguinte forma:

Uma relação que se fundamenta na reciprocidade, por considerar os sujeitos envolvidos na interação como iguais (assumindo-se sem hierarquia).Uma situação ideal de relação que exige dos sujeitos um desenvolvimento intelectual e moral, capaz de possibilitar a dissociação do pensamento de si do pensamento do outro com quem se relaciona. Essa dissociação, e o respeito mútuo que se possibilita a partir dela, é a lógica das relações de cooperação. (CAMARGO, 2012, p. 532).

 

Conforme o autor (idem ibid) cita “chamamos de cooperação toda relação entre dois ou “n” indivíduos iguais ou acreditando-se como tal, dito de outro modo, toda relação social na qual não intervém qualquer elemento de autoridade ou de prestígio”.

Este é um dos conceitos que necessitamos fomentar, debater e praticar na escola.

 

2.5 Disciplina e indisciplina

 

É fácil encontrarmos em um debate sobre a realidade da escola brasileira argumentações que “elegem” a disciplina (ou a falta dela) como uma das questões centrais “à boa ordem da escola”. Aqui é necessário ressaltar que existe certa confusão conceitual na definição de “disciplina”.

Ao desmembrar esta definição, Carvalho (1996) nos lembra da aproximação do conceito de disciplina, nas instituições militares e eclesiásticas, que “implica um controle sobre o comportamento como um valor, em que a rigidez do hábito invariável centra-se em um único objetivo para cada instituição: ter uma força armada pronta para o conflito ou atingir a beatitude”. Esta é uma perspectiva, mas é necessário entender outras para compreender o processo geral.

Para Carvalho (1996), é necessário entender que existe uma acepção do conceito que está vinculada a “respeito e imposição”, mas também há uma que nos leva a “regras e métodos”. Ao aprofundar esta perspectiva, o autor cita o filósofo inglês Gilbert Ryle, que afirma: “contrariamente ao que muitos afirmam, um método não é uma pauta sequencial estereotipada, ou uma rotina de ações, que se grava mediante a memorização pura, como apresentar armas ou recitar o alfabeto… Um método é uma maneira de fazer algo que é passível de ser aprendida. A palavra maneira designa algo mais do que simples memorização ou rotina. Uma maneira de fazer algo é um modus-operandi…” (CARVALHO, 1996, p.5).

A vivência no espaço escolar nos mostra que existem diversos momentos em que a necessidade de interação entre os jovens é muito mais produtiva. Ou seja, é a técnica e o contexto que definem se haverá interação ou não em uma sala de aula.

Ao comentar sobre “disciplina e indisciplina” dentro da escola Carvalho (1996) conclui:

O trabalho do professor não é do de fixar, através de comportamentos invariáveis, mas o de criar, segundo seus objetivos e as características daquilo que ensina, disciplinas e métodos de ação e pensamento que consideramos valiosos. Ter um método para transmitir disciplinas não é ter um discurso sobre a disciplina, mas é criar uma maneira de trabalhar! Tal maneira será tanto mais eficaz quanto mais o professor tiver clareza de objetivos e procedimentos dos conteúdos ou áreas de conhecimento com as quais deseja trabalhar. Nesse sentido, o problema da disciplina escolar desloca-se do âmbito e da perspectiva moral e comportamental para situar-se no âmbito da apropriação de práticas e linguagens públicas, em cuja a difusão reside a principal atividade das instituições escolares. (CARVALHO, 1996, p.138).

Aqui cabe a reflexão sobre relação entre os atores da escola, seja em sala de aula ou fora dela, e o objetivo central da ação educativa. Quando este objetivo não está centrado no indivíduo em sociedade e suas relações há uma tendência de “mecanização” das atividades pedagógicas, onde a principal tarefa do educador é cumprir os seus objetivos, não importando a realidade do aluno. Neste cenário é necessário criar corpos dóceis, disciplinados e obedientes.

 

2.6 Conceito de valor

 

Para finalizar a primeira parte de conceitos, expressões e desafios do entendimento sobre convivência escolar é necessário conceituar “valor”.  Goergen (2005) cita André Lalande (1999) no seu dicionário técnico e crítico de filosofia e define assim o conceito:

a) característica das coisas que consiste em serem elas mais ou menos estimadas ou desejadas por um sujeito ou, mais comumente, por um grupo de sujeitos determinados. Este é um significado subjetivo.b) característica das coisas que consiste em merecerem elas maior ou menor estima. Este é um significado objetivo.c) característica das coisas que consiste em elas satisfazerem um certo fim. Trata-se do caráter objetivo/hipotético.d) característica de coisas que consiste no fato de, em determinado grupo social e em determinado momento, serem trocadas por uma quantidade determinada de uma mercadoria tomada como unidade.e) Preço que se estima do ponto de vista normativo deva ser pago por um determinado objeto ou serviço (justo valor).f) a significação não só literal, mas efetiva e implícita que possuem uma palavra ou expressão (Lalante, 1999, verbete ‘valores’). (GOEGEN, 2005, p.986).

Vários pensadores conceituaram e até hoje refletem e tentam conectar este conceito na “educação moral” dentro do espaço escolar. Muitas críticas surgem ao iniciar este debate, em especial que existe uma idealização nos valores ensinados aos mais jovens, pois eles não condizem com as práticas sociais recorrentes. A escola sussurra uma coisa, a sociedade berra outra. Isso se intensifica quando subestimamos o papel reflexivo do estudante, em especial do jovem como observador/pensador/ator do processo. Ao refletir sobre o conceito de valor, Goegen (2005) cita:

Uma das características desta compreensão moral é a concepção de valor como processo. O valor não é algo estático que possa ser conhecido e depois conservado. Ele depende das experiências e do processo de amadurecimento dos sujeitos. No processo educativo, isso significa que o adulto deverá renunciar a qualquer tentativa de persuadir os jovens a aceitar um conjunto predeterminado de valores. A única coisa que a educação pode fazer é estimular o aluno a assumir o próprio processo de valoração. A formação moral é um processo complexo que abriga diversos aspectos, desde a incorporação das convenções sociais até a formação da consciência moral autônoma. As formas de aquisição de tais requisitos incluem a reflexão e as atitudes pessoais até os sentimentos e comportamentos que são estimulados pela educação formal ou informal, como também pela simbiose ou mimese cultural. A educação moral, entendida como conjunto de todos este movimentos, é um processo de construção sócio-cultural da personalidade ou do sujeito moral. (GOERGEN, 2005, p.1005).

Até aqui aprofundamos alguns conceitos, agora é necessário jogar luz nas questões, desafios e conceitos que circundam o contexto juvenil brasileiro.

 

3 Conceitos de emancipação e juventude

 

Dois conceitos darão norte nesta parte do artigo, são eles: juventude e emancipação. Aqui cabe ressaltar que a legislação brasileira (Estatuto da Juventude) indica também “autonomia” como diretriz da política. Este autor acredita que o conceito de emancipação se adapta melhor ao foco deste artigo. Vamos aos conceitos.

 

3.1 Emancipação

 

Uma melhor ação educacional é concretizada a partir da análise do contexto em que o jovem está inserido, sua trajetória, anseios e perspectivas. Sendo assim é necessário entender o conceito norteador das políticas para juventude no Brasil, a “emancipação”.

Segundo o Estatuto da Juventude, no parágrafo I do seu artigo 2°, as políticas públicas de juventude tem como princípio a “promoção da autonomia e emancipação dos jovens”.

O termo “emancipação” muitas vezes é limitado a questões financeiras ou de sustento dos jovens, ou da sua ligação financeira com a família. Marx (2003) sugere que a emancipação humana está vinculada a um ganho de consciência dos sujeitos em seus contextos aliado a uma nova perspectiva da sua força de trabalho em sociedade. O autor destaca que:

Somente quando o homem individual real recupera em si o cidadão abstrato e se converte, como homem individual, em ser genérico, em seu trabalho individual em suas relações individuais somente reconhecido e organizado suas “forces propes” como forças sociais e quando, portanto já não separa de si a força social sob forma de força política, somente então se processa a emancipação humana. (MARX, 2003, p. 42, grifos do autor).

Na filosofia também pode se considerar emancipação a luta de grupos ou setores sociais por igualdade ou por direitos.

A emancipação está ligada à cidadania que tem origem do latim civitas, significando os direitos atribuídos ao cidadão ou até mesmo “cidade”. Civitas também foi utilizada para designar a situação política de uma pessoa na cidade. O conceito evoluiu durante o tempo e hoje cidadão é aquele nascido em um dado país, possuidor de direitos. É necessário afirmar que esta condição “cidadã” exige consciência de sua situação individual, e em coletivo, bem como conhecimento dos seus direitos.

Se forem necessários consciência e conhecimento dos seus direitos para garanti-los, também é necessário compreender o momento biológico e social da juventude, visando aproximar a educação do sujeito.

 

3.2 Juventude

 

Definindo o termo “juventude” é importante aproximar-se do dos escritos internacionais, sobre o tema a UNESCO descreve:

O termo “juventude” refere-se ao período do ciclo da vida em que as pessoas passam da infância à condição de adultos e, durante o qual, se produzem importantes mudanças biológicas, psicológicas, sociais e culturais, que variam segundo as sociedades, as culturas, as etnias, as classes sociais e o gênero. Convencionalmente, para comparar a situação de jovens em distintos contextos e fazer um acompanhamento da evolução no tempo, se estabelecem ciclos de idade. Sua mensuração não apresenta maiores problemas de confiabilidade e é uma informação investigada na maioria das fontes disponíveis de coleta periódica de dados.  (UNESCO, 2004, pg 23)

Esta etapa da vida, mais especificamente a adolescência, também é marcada por, segundo Vera Wrobel e Clélia Ehlers de Oliveira (2005), “uma intensidade energética que marca esse momento de agitação que é biologicamente determinada”. Muitos conflitos e desafios durante esta fase, ainda segundo as autoras o jovem-adolescente “estando em pleno processo de construção de sua identidade, ele se vê imerso em um imenso turbilhão de sentimentos e emoções”.

Neste processo de construção e desconstrução de conceitos e modelos, o jovem passa a acessar novos circuitos de relações e inicia, com mais intensidade, um processo de questionamento de modelos e padrões, a partir da comparação entre outros modelos.

Existe ainda a cobrança da idealização de transição para a vida adulta perfeita da sociedade, onde é imposto um modelo perfeito de transição, demonstrado na figura abaixo:

 

Quadro 1: Processos de transição para a vida adulta – Padrões Consolidados após a segunda guerra

Fonte: CARVALHO, M.B. (2015)

 

Segundo a antropóloga Profa. Dra. Regina Novaes (UFRJ), este padrão foi consolidado após a segunda guerra e tornou-se um “guia”. O problema é que a grande maioria da juventude sequer se aproxima desta idealização, principalmente os mais pobres, que, ao distanciarem-se deste “guia”, são considerados, por comparação, como “fracassados” ou “desajustados”.

Se este padrão linear pauta o conjunto de atores da educação, qualquer formato diferenciado tende a ser considerado “menos propenso ao sucesso” (utilizando aqui um conceito do mundo do trabalho, de avaliação de carreiras e profissões).

Para Pais (2008):

Os jovens são o que são, mas também são (sem que o sejam) o que deles se pensa, os mitos que sobre eles se criam. Esses mitos não reflectem apenas a realidade, ajudam-na também a instituir-se como uma idealização ou ficção social. O importante é não nos deixarmos contagiar por equívocos conceptuais que confundem a realidade com as representações que a conformam ou dela emanam (Ruíz, 1995, p. 81). É que, como disse, as palavras, por vezes, mascaram a realidade, ou melhor, constroem-na à imagem das máscaras que usam para a representar. Aliás, as fases de vida e a própria idade são construções sociais. (PAIS, José Machado – Máscaras, jovens e “escola do Diabo”)

É necessário que a escola como instituição e seus atores, incorporem a diversidade “não-linear” de transição para a vida adulta do jovem e de sua família para compreender, sem nenhum tipo de idealização romântica, o contexto do sujeito e o processo educacional como um todo. Entre os novos padrões, segundo Novaes (2012) podemos citar:

Novas relações entre escolaridade e inserção no mundo do trabalho;Dissociação entre sexualidade e casamento;Novos arranjos familiares;Novas maneiras de “estar no mundo” (tecnologias de informação e comunicação)

 

Ao refletir sobre o refrão da letra da música “Não é sério” do grupo Charles Brown Junior, Dayrell e Gomes citam:

A música também denuncia um outro fenômeno comum: a criação de imagens e preconceitos sobre a juventude contemporânea, principalmente pelas mídias, que interferem na nossa maneira de compreender os jovens. Uma das mais arraigadas é a juventude vista na sua condição de transitoriedade, onde o jovem é um “vir a ser”, tendo, no futuro, na passagem para a vida adulta, o sentido das suas ações no presente. Sob essa ótica, há uma tendência de encarar a juventude na sua negatividade, como o que ainda não se chegou a ser (SALEM,1986), negando o presente vivido. Essa concepção está muito presente na escola: em nome do “vir a ser” do aluno, traduzido no diploma e nos possíveis projetos de futuro, tende a negar o presente vivido dos jovens como espaço válido de formação, bem como as questões existenciais que eles expõem, as quais são bem mais amplas do que apenas o futuro. Quando imbuídos por esta concepção, os projetos educativos perdem a oportunidade de dialogarem com as demandas e necessidades reais do jovem, distanciando-se dos seus interesses do presente, diminuindo as possibilidades de um envolvimento efetivo nas suas propostas educativas. (DAYRELL, Juarez Tarcísio e GOMES, Nilma Lino – A Juventude no Brasil, pgs 01 e 02)

 

Ao questionar sobre o jovem e seu contexto é necessário apropriar-se de uma série de informações que, segundo Novaes (2012), são “situações intermediárias, reversíveis e coincidentes” do contexto da juventude:

 

Solteiro ou casado?Trabalhador ou estudante?Trabalhador ou desempregado?Incluído ou excluído?Longe ou perto da morte?Isolado ou conectado?

 

4 Visão geral SOBRE A JUVENTUDE no Brasil

O contexto individual do jovem e suas relações cotidianas precisam ser assimilados pela escola e seus agen
tes, mas não é somente isso, existe um contexto geral, uma nova cultura de relações e conexões em que a juventude brasileira está envolvida ou é protagonista, que necessita “fazer parte” do cotidiano de diálogos e formulações dentro da escola.

Para análise do macro contexto utilizaremos a pesquisa “Agenda Juventude Brasil – Pesquisa Nacional sobre o perfil dos jovens brasileiros 2013” da Secretaria Nacional de Juventude – SNJ do Governo Federal. A pesquisa contou com 3.300 entrevistas, distribuídas em 187 municípios, estratificados por localização geográfica (capital e interior, áreas urbanas e rurais) e em  tercis de porte (municípios pequenos, médios e grandes), contemplando as 27 Unidades da Federação.

 

4.1 O jovem majoritariamente urbano

 

A primeira questão a ser considerada é que o jovem brasileiro é majoritariamente urbano, 85% dos jovens da pesquisa declarou que “mora na cidade”.

Quadro 2: Situação domiciliar dos jovens no Brasil – Agenda Juventude Brasil

Fonte: SNJ , Pesquisa Nacional sobre o perfil dos jovens brasileiros 2013, pg 13

 

Quando pontuamos sobre o contexto do jovem e identificamos sua situação domiciliar nossa intenção deve ser apropriar-se do conjunto de símbolos que o jovem traz consigo, lembrando que cada contexto é também único pois nem sempre os jovens do campo do norte brasileiro possuem as mesmas características culturais ou vivências dos jovens do campo da região sul do país. Mesmo a pesquisa apresentando os números gerais, cabe atentar-se aos desdobramentos dela e dar a devida importância à multiplicidade de combinações de situação domiciliar.

 

4.2 Sexualidade

 

Com a questão da sexualidade, vemos que todos os recortes etários da “juventude” possuem porcentagem de jovens com filhos. Além disso, 81% dos entrevistados declarou que já teve relações sexuais, o que torna cada vez mais necessário que a escola seja um local apropriado, acolhedor e promotor do debate sobre sexualidade e juventude.

 

Quadro 3: Posse de filhos, por sexo e idade (Agenda Juventude Brasil – Pesquisa Nacional sobre o perfil dos jovens brasileiros 2013)

Fonte: SNJ , Pesquisa Nacional sobre o perfil dos jovens brasileiros 2013, pg 14

 

Ao refletir sobre    “Juventude, Sexo e AIDS”, Lima (2008), justifica a naturalização de um modelo de sexualidade que atua por muito tempo como obstáculo na percepção da sua importância para a afirmação da identidade sexual dos indivíduos através de uma citação de Michel Bozon (2004). Para Bozon:

[…] o pudor se apoderou da sexualidade e de todas as suas manifestações, sobre as quais não se podia mais falar com espontaneidade, entre próximos, nas conversas cotidianas e, em particular entre pais e filhos. […] A educação sexual das crianças passou a ser um “problema”. A religião por sua vez, teve uma participação preponderante na condução de uma cultura sexual voltada para a castidade, justificada apenas, a partir de fins reprodutivos, qualquer possibilidade diferente dos objetivos da procriação, estaria fora dos planos de Deus, a idéia do pecado sempre esteve muito próximo. Essa imposição da igreja modelou comportamentos e impôs aos homens e mulheres uma sexualidade reprimida, “os textos de Agostinho (séc. V) teorizam a recusa à concupiscência (desejo) e ao prazer, de tal forma que levam a uma restrição em direito da atividade sexual apenas à obra de procriação desejada por Deus e pela natureza (BOZON, 2004).

(LIMA, Juliano Jamisson de Almeida – Juventude, Sexo e AIDS, pg. 20)

 

Se a legislação já define o jovem como sujeito de direitos, é preciso compreender suas necessidades e expectativas como indivíduo em sociedade. Não estamos tratando aqui somente das questões biológicas, é preciso ampliar esta perspectiva para entender como a sociedade trata estas questões. A mídia e as sociedade nas redes sociais trabalham com a valoração do tema, uns com princípios morais, outros com mercadológicos. Como o jovem (individualmente e em grupo) fica neste cabo de guerra?

 

4.3 Novas tecnologias da informação

 

Os jovens e suas relações com as novas tecnologias da informação também auxiliam na compreensão sobre os temas a assuntos que a juventude acessa. É fácil identificar o peso da internet no cotidiano escolar com a crescente relevância da mesma para “comunicar” e “informar” os jovens.

Diferentes dos jovens estudantes de décadas passadas, que conviveram exclusivamente com tecnologias como o rádio e a televisão, os jovens estudantes de hoje possuem acesso a smartphones e a internet, estão “conectados” e dominam com agilidade a relação com a internet, redes e mídias sociais.

Um importante dado desta realidade (apresentado no quadro 4) mostra que mesmo com acesso a internet, a grande maioria dos jovens ainda se informa pela televisão aberta.

 

Quadro 4: Meios como costuma se informar sobre o que acontece no Brasil e no mundo (Agenda Juventude Brasil – Pesquisa Nacional sobre o perfil dos jovens brasileiros 2013)

Fonte: SNJ , Pesquisa Nacional sobre o perfil dos jovens brasileiros 2013, pg 22

 

Outro dado importante é a posse do telefone celular. Aqui é importante salientar que a pesquisa mostra uma relação inicial entre o aparelho e a internet, porém, é crescente a aquisição no Brasil de telefones do tipo “smartphone”, que possibilitam a aquisição de aplicativos de comunicação gratuita através de conexões wi-fi ou bluetooth.

Quadro 5: Posse de celular

Fonte: SNJ , Pesquisa Nacional sobre o perfil dos jovens brasileiros 2013, pg 23

 

O desenvolvimento de novos aparelhos, com maior tecnologia ou com valores cada vez mais acessíveis ao conjunto da população tornará o celular uma ferramenta quase que indissociável dos jovens.

 

Quadro 6: Uso que costuma fazer do celular

Fonte: SNJ , Pesquisa Nacional sobre o perfil dos jovens brasileiros 2013, pg 24

 

Diferente de outras tecnologias, a internet, acoplada ao telefone celular, o torna uma potente ferramenta de informação e comunicação, um atrativo muito mais potente que as paredes lisas das escolas de ensino médio do Brasil.

Entender uma ferramenta de comunicação e de informação como inimiga da escola é isolá-la do contexto em que ela está inserida. A escola precisa ser um local cada vez mais interessante e agradável para a juventude, um local onde o conhecimento instiga, atrai e movimenta.

 

4.4 Jovens e a violência no Brasil

 

Segundo a Secretaria Nacional de Juventude – SNJ sobre a Agenda Juventude, “um dos dados mais contundentes da pesquisa é aquele que permite visualizar o peso que tem a violência na vida dos jovens. Metade deles já perdeu alguém próximo de forma violenta: por acidente de carro ou por homicídio”.

 

Quadro 7: Perda de pessoas próximas por morte violenta, causa mortis e vínculo com pessoas perdidas (Agenda Juventude Brasil – Pesquisa Nacional sobre o perfil dos jovens brasileiros 2013)

 

Fonte: SNJ , Pesquisa Nacional sobre o perfil dos jovens brasileiros 2013, pg 25

 

As vítimas, na maioria dos casos, são amigos, tios ou irmãos desses jovens, ou seja, companh
eiros de geração.

Ainda sobre a pesquisa é importante destacar que “ao separar, dentre as causas de morte, aquelas que se referem a assassinatos, teremos que ¼ da população jovem do Brasil carrega a condição de ter tido uma pessoa muito próxima vítima de homicídio. Isso configura uma experiência geracional de alta dramaticidade, que explica o peso que o tema da violência alcança nas preocupações dos jovens”.

 

4.5 Sobre espaços de vivências

 

A vida é uma sequência de vivências, fatos e eventos que nos dão oportunidades de análise e reflexão de processos e condutas, são nossa “experiência de mundo”. Quanto mais experiências, mais amplo é o campo de visão do jovem. O quadro abaixo demonstra que a maioria dos jovens não possui frequência em atividades de lazer, esporte e cultura.

 

Quadro 8: Frequência a atividades de lazer cultura e passeios (Agenda Juventude Brasil – Pesquisa Nacional sobre o perfil dos jovens brasileiros 2013)

 

Fonte: SNJ/IPEA , Pesquisa Nacional sobre o perfil dos jovens brasileiros 2013, pg 42

 

A política pública para a juventude no Brasil tem como um dos seus princípios a “promoção da autonomia e emancipação dos jovens”. O conceito de autonomia nas políticas públicas é alcançado com a geração de oportunidades que possibilitem contribuir para a autonomia intelectual, social e financeira do jovem. Em tese, o tripé proposto (autonomia intelectual, social e financeira) possui parcela significativa de contribuição da escola, em especial a autonomia intelectual. Se o atual contexto é de transferência de responsabilidade (para a escola) das atribuições de outras instituições que precisam participar deste processo, como é possível completar as pontas do tripé? Ou seja, quando faltam políticas culturais na cidade, a escola assimila esta sobrecarga. A lógica defensiva de proteção das instituições argumentaria que a escola não necessita cumprir todos os papéis no desenvolvimento destes jovens. Mas este jovem não é um gaveteiro onde podemos encher uma gaveta e deixar a outra vazia. É preciso entender o jovem como sujeito de direitos e pessoa em desenvolvimento, desta forma o processo é integral. Mesmo seguindo a lógica do gaveteiro, a tendência é que o jovem expresse suas insatisfações, ansiedades e frustações no espaço onde a convivência com diferentes agentes é permitida, neste caso de estudo é a escola este espaço. Assim sendo, as atividades e a convivência podem propiciar um espaço acolhedor e atrativo na escola ou o jovem vai procurar este espaço em outro lugar.

Segundo o filósofo francês Edgar Morin “educação deve ser um despertar para a filosofia, para a literatura, para a música, para as artes. É isso que preenche a vida. Esse é o seu verdadeiro papel”. Como podemos pensar isto com uma escola conteudista e que foca suas ações na “preparação para o ENEN e para o vestibular”?

 

4.6 Associativismo e participação

 

A participação social efetiva amplia os horizontes de conhecimento do indivíduo e possibilita a experimentação de conhecimentos e vivências em diferentes locais e com diferentes grupos. Quanto mais participativas e plurais são as experiências, mais oportunidades de acessar novos conhecimentos ou de aplicar os conhecimentos obtidos na escola.

 

Quadro 9: Participação em associações e entidades (Agenda Juventude Brasil – Pesquisa Nacional sobre o perfil dos jovens brasileiros 2013)

Fonte: SNJ , Pesquisa Nacional sobre o perfil dos jovens brasileiros 2013, pg 38

 

É preciso que os espaços de associação e participação juvenil se ressignifiquem, tornando-se “atrativos” e tendo uma “função real” para o conjunto da juventude, ultrapassando a significação limitada do individualismo, que impõe ao jovem um critério de “benefício pessoal” para qualquer atividade coletiva ou de agrupamento.

É possível verificar que mesmo com os avanços tecnológicos que conectam as pessoas, em especial os jovens, existe no Brasil uma carência de vivências que podem auxiliar no desenvolvimento intelectual e social deste jovem. Este “limitador” pode estar contingenciando energia criativa e potencial inovador de uma geração inteira. Aqui é preciso frisar que a análise do processo educacional necessita ultrapassar os muros das escola para entender o individuo em seu contexto.

 

4.7 O interesse dos jovens sobre os grandes problemas do Brasil

 

Quando subestimamos o papel do jovem no contexto da escola e do país, nos distanciamos da possibilidade de contar com a capacidade criativa e reflexiva destes atores, na compreensão dos grandes desafios do país e na construção de alternativas para estes desafios.

 

Quadro 10: Quais são os problemas que mais preocupam os jovens atualmente (Agenda Juventude Brasil – Pesquisa Nacional sobre o perfil dos jovens brasileiros 2013)

Fonte: SNJ , Pesquisa Nacional sobre o perfil dos jovens brasileiros 2013, pg 26

 

A escola se tornaria um espaço mais interessante se conseguisse assimilar e transformar em conteúdo os anseios e desejos desta juventude que está “refém” das informações que a televisão repassa ou que “viralizam” na internet/redes sociais.

 

Quadro 11: Assuntos que gostaria de discutir com pais e responsáveis (Agenda Juventude Brasil – Pesquisa Nacional sobre o perfil dos jovens brasileiros 2013)

Fonte: SNJ/IPEA , Pesquisa Nacional sobre o perfil dos jovens brasileiros 2013, pg 27

 

 

5 Conclusão

 

A escola e os atores que vivenciam o seu dia-a-dia precisam entender o jovem em seu contexto.

Ao estudarmos sobre convivência escolar e os diversos conceitos que orbitam e se relacionam com o tema, vemos que a escola brasileira, de maneira geral, ainda está distante da reflexão e da prática cotidiana que consigam incorporar o tema e criar uma cultura de planejamento e observação das relações entre os atores envolvidos e seus contextos.

Avançando nesta análise, com o aditivo do recorte específico de juventude, fica cada vez mais claro que a escola e seus gestores (desde o macro sistema até a gestão da unidade escolar) não conseguem sequer avançar em construir um espaço que se aproxime da “cara” do jovem, ou, pelo menos, entenda a sua “etapa de vida”. Quando pensamos na educação infantil logo vem a lembrança de salas coloridas, estimulantes e instigantes. Um espaço adaptado àquele grupo etário. Não temos muito exemplos como este ao pensar sobre a escola de ensino médio, principalmente quando a maioria dos sistemas educacionais se rende a hegemonia do pensamento de mercado e adotam metas e objetivos que estimulam a concorrência e o individualismo, despreocupados com o contexto destes jovens, desatentos aos seus símbolos, quando não estão castrando a criatividade destes com milhares de informações que não fazem o menor sentido para a vida cotidiana destes atores, tornando o cotidiano da escola desestimulante.

Quando se assume que o jovem pode cumprir o papel de observador/pensador/ator do processo não só do processo educacional, mas de todas as questões que envolvem o desenvolvimento local (bairro, cidade, região) não relegamos a eles o papel passivo de meros “assimiladores de conteúdo” ou espectadores de um roteiro de vida que nunca lhes foi apresentado.

No processo de diagnóstico dos interesses dos jovens, quantas vezes, em escolas de Ensino Médio no Brasil, se faz a conver
gência de interesses (cotidiano do aluno + conteúdo curricular) para a criação de novas maneiras de ambientar e atrair o jovem?

Do ponto de vista estrutural, as escolas de Ensino Médio do Brasil ainda não possui um ferramental mínimo que esteja em sintonia com as novas tecnologias da informação. Os jovens carregam em seus bolsos celulares com aplicativos atrativos, desafiadores, e não estamos conseguindo produzir novas estratégias que acompanhem estas inovações. Quais são os desafios que a escola impõe aos jovens? Estes desafios tem alguma conexão com a vida deles, suas expectativas e anseios? Estes desafios são construídos em comum acordo?

O debate que tenta separar as responsabilidades da escola e da família está ultrapassado, estas relações são dialógicas, suas interações auxiliam no desenvolvimento de estratégias cotidianas de superação de desafios. A lógica de mercado destrói as relações e a função social da escola. É necessário resgatar e atualizar cotidianamente a função macro (interesse nacional e coletivo) e “linkar” isto ao cotidiano do jovem (com todas as suas dúvidas, expectativas e interesses) convergindo num ambiente de diálogo democrático, atrativo e inovador.

Os desafios são muitos, requerem uma reflexão geral do sistema até o dia-a-dia da escola. Mas esta não será uma via de mão única, é preciso construir novos espaços escolares e novas práticas escolares no ensino médio em conjunto com os jovens. É preciso desafiá-los e nos desafiar para avançarmos para uma nova condição. Sem receita pronta e acabada. Contextos, desafios, potências serão os ingredientes e temperos desta receita.

 

 

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* = CARVALHO, M. B. – Historiador formado pelas Faculdades Integradas Espírita (FIES), Curitiba- Paraná, assessor da Fundação Ulysses Guimarães Nacional – FUG. Email: marciojr8@yahoo.com.br

 

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