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“Previdência tira dos pobres e dá aos ricos”, diz Moreira Franco

10/12/2017

O ministro da Secretaria-Geral da Presidência da República afirma que o sistema atual de aposentadorias acentua a desigualdade

O governo está obcecado pela aprovação da reforma da Previdência. A uma semana da data marcada para o início da votação da matéria na Câmara — segunda, dia 18 —, um dos principais ministros palacianos, Moreira Franco, da Secretaria-Geral da Presidência, é taxativo em afirmar que, sem ela, o crescimento econômico do país sofrerá um profundo baque. Para ele, o clima favorável às mudanças aumentou perante a população. “A sociedade brasileira já compreendeu que é muito melhor viver em um ambiente em que haja oportunidade para todos, onde se pratica igualdade de oportunidades, do que você viver em uma sociedade em que as diferenças caracterizam privilégios e as corporações se diferem de maneira tão profunda do conjunto da sociedade.”

 
Em entrevista exclusiva ao Correio, ele reconhece que a onda favorável ainda precisa ser assimilada pelos parlamentares. Mas afirma que eles têm uma visão mais privilegiada que o conjunto da população. “Se nós aprovarmos a reforma da Previdência, no ano que vem, nós vamos entrar no círculo virtuoso”, previu.
Moreira afirma que, a cada década, a partir dos anos de 1950, o país viveu uma crise econômica, que acabou por se transformar em uma crise política. São situações que mostram que o crescimento brasileiro não é sustentável. “Há um populismo equivocado. Nesses ciclos de crise de 10 em 10 anos, quem perde? Aqueles que ganharam nos 10 anos anteriores. O que nós precisamos é de sustentabilidade no crescimento”, defendeu.


O ministro admitiu que o país já vive o momento eleitoral e que os partidos aliados têm discutido uma coalizão para 2018. Mas disse que não existem nomes definidos e que “aqueles que quiserem participar virão”, numa referência indireta ao PSDB. Despistou sobre uma possível candidatura de Michel Temer e brincou sobre as declarações de Henrique Meirelles, de que seria um bom presidenciável. “Como diz o presidente Temer, foi uma análise sociológica. Se o FHC (Fernando Henrique Cardoso) pode fazer (análises sociológicas), por que o Meirelles não pode?” Confira a seguir os principais trechos da entrevista:

A sociedade está de fato percebendo a importância da reforma da Previdência?
A sociedade brasileira já compreendeu que é muito melhor viver em um ambiente em que haja oportunidade para todos, em que se pratica igualdade de oportunidades, do que você viver em uma sociedade em que as diferenças caracterizam privilégio e as corporações se diferem de maneira tão profunda do conjunto da sociedade.

Os servidores são o maior empecilho para a aprovação da reforma?
Não é uma questão de ser funcionário público ou não, o fundamental é ter regras iguais para todos, esse é o objetivo. Se nós estamos querendo uma sociedade democrática, um princípio fundamental da sociedade democrática é a igualdade de oportunidades. A natureza básica, do ponto de vista político, da necessidade da reforma da Previdência, é fazer com que as pessoas tenham as mesmas regras. Não tem por que as pessoas terem regras distintas, se gerarem remunerações diferenciadas, discrepância. O teto tem que ser igual para todo mundo.

Por que tem tanta resistência se isso está tão claro?
Eu não diria que estivessem tão claros; está ficando.

Por que não ficou claro antes?
Se eu soubesse responder…É quase uma pergunta de natureza filosófica. Nós precisávamos fazer esclarecimentos maiores, ganhar mais as pessoas. A construção de um caminho em um regime democrático passa pelo contraditório. A Previdência é uma espécie de Robin Hood às avessas. Ele tirava dos ricos para dar aos pobres. O sistema previdenciário brasileiro tira dos pobres para dar aos ricos.

Esse discurso está ficando claro para a população, mas dá tempo de convencer os deputados?
Os deputados têm informações muito mais enriquecidas da realidade econômica do que o conjunto da população. Se nós aprovarmos a reforma da Previdência, no ano que vem, nós vamos entrar no círculo virtuoso. Há dois anos, lançamos um documento chamado “Ponte para o futuro”. Ali, vimos que estávamos na mais grave crise econômica da história, caminhando para a recessão mais prolongada. E que as razões eram de natureza interna e não externa, como a de 1929, e  essas razões se esclareciam exatamente no que diz respeito à política econômica.

O governo Dilma errou nesse diagnóstico?
Eles quiseram criar uma experiência própria, uma teoria brasileira, que era a nova matriz econômica. A sociedade virou um experimento e foi um desastre. Foi um erro de política econômica, desorganizou toda a economia. Erros que foram do ponto de vista ideológico, quando quiseram substituir a aritmética pela ideologia para a tomada de decisões que só podem ser tomadas com o uso das quatro operações. Você não pode fixar taxa de retorno, de juros, porque quer ou porque é justo. Você não pode fixar tarifa aleatoriamente, as coisas exigem um conhecimento físico e ele que dará a possibilidade de ver quanto custa aquilo e o prazo. Com o uso abusivo da TJLP no BNDES, foi gerado um buraco nas contas públicas brutal. Isso foi gerando a mais grave crise fiscal da nossa história.
Em um cenário de 2018 sem a aprovação da reforma da Previdência, o que pode acontecer?
Todas as indicações que nós temos é que será uma frustração enorme. Vamos ter que viver na dificuldade. Em uma circunstância dessas, quem sofre mais é quem tem menos. As camadas mais ricas da população têm uma capacidade de proteção muito maior do que as mais pobres. Em uma situação de debilidade econômica, com o rating caindo, a inflação subindo, você vai penalizar a população. A velocidade da recuperação dos empregos será menor ou inexistente porque vai ter uma queda dos investimentos, vai gerar uma insegurança enorme e você vai projetar, no futuro, uma situação interna parecida com a do Rio de Janeiro. Isso é aritmética, não se resolve na conversa.

O senhor prevê um retorno ao que era na fase dessa recessão recente ou esse crescimento vai ser mais lento?
Eu não trabalho com previsão. Nós temos fatos. Se nós tivermos a reforma da previdência aprovada, nós vamos ter um círculo virtuoso. Na economia, a expectativa é muito forte, porque você tem que tomar decisões, hoje, sobre coisas que vão acontecer daqui a cinco, 10 anos. De qualquer forma, a decisão que você toma hoje é em função de uma previsão. Se você tem a reforma da Previdência aprovada, tem uma trajetória que vai em direção ao equilíbrio fiscal. Se não tem, é uma trajetória que é, inexoravelmente, cúmplice do desequilíbrio fiscal.

De onde vem a resistência maior à reforma?
Nós temos dois fóruns. Um é a opinião pública, onde o ambiente mudou muito. Mas temos que esperar votar no Congresso. Não é uma situação em que haja uma percepção muito favorável do Congresso. Saiu uma pesquisa, no Datafolha, em que o Congresso tem a mais baixa aprovação. Eu não tenho dúvida de que, se a Câmara aprovar, as possibilidades de melhorar a aprovação no Senado aumentam substancialmente, porque é uma demonstração de que há desejo de cuidar do país. A reforma não é para o governo, é para o Brasil. Eu não tenho a menor dúvida de que o debate eleitoral do ano que vem vai ser a reforma da Previdência.

Haverá algum candidato com coragem de assumir esse discurso?
A vida social é inexorável. Não vai pagar. Não importa se o cara é de direita, esquerda, não vai ter recursos para manter esse sistema. Ele é inviável, não  há hipótese de você se aposentar com 55 anos, ganhar aposentadoria integral e termos aumento até os 80 anos. Não existe isso em lugar nenhum do mundo. Não importa quem vai ser o candidato, o que importa é que as quatro operações não permitem.

Governos populares, como os de Lula e Fernando Henrique, não aprovaram a reforma. Faltou
coragem? Agora vem um governo com o menor índice de popularidade resolvendo encampar essa proposta.

Eu não acho que isso seja uma questão de popularidade. O grande problema é que, ao longo do tempo, a sociedade brasileira foi capturada pelas corporações. Esse processo se radicalizou depois do regime militar porque houve um equívoco que difere o regime militar de 1964 do Estado Novo de Getúlio Vargas de 1937. Quando foi em 1937, tivemos uma ditadura, o Congresso foi fechado, não tinha eleição direta, nem Supremo. Em 1964, não. Queriam ter um regime ditatorial, mas com as instituições funcionando. Com isso, houve uma conspurcação dessas instituições, que foram usadas fora das suas atribuições legais e constitucionais, porque se precisava de uma cobertura legal.

E a situação saiu do controle?
Se vocês pegam a estrutura salarial de antes de 1964, veja a remuneração de um professor. Era uma época em que um professor do Dom Pedro II, no Rio de Janeiro, morava na Zona Sul e educava seus filhos com salário de professor do Dom Pedro II, era altamente referenciado, não importa nem a matéria, com livros publicados, seguidos em várias outras escolas. Médico, engenheiro; você degradou essas atividades na administração pública que serviam à atividade-fim e elevou a atividade-meio. Você elevou os órgãos de controle, do Poder Judiciário que passaram a ter vencimentos maiores. Esse movimento fez com que nós fôssemos capturados pelas corporações.

Um estudo do Banco Mundial mostra que a média salarial do funcionalismo brasileiro é 67% maior do que a média da iniciativa privada. Não existe em lugar nenhum do mundo essa diferença.
Outra coisa, qual é a cidade que tem a renda per capita mais alta do Brasil? Brasília. E não é por causa da renda de jornalista. Não é salário de jornalista.

Brasília tem o maior índice que separa ricos de pobres. Basta pegar o índice Gini…
O esforço que estamos fazendo é para que possamos fazer as mudanças estruturantes e tenhamos uma sociedade de classe média. Ela só existe quando há igualdade de oportunidades. Você precisa garantir que as crianças tenham acesso à educação, tenham oportunidades iguais, precisa restabelecer o sistema de mérito.

Se a reforma não for votada ao menos na Câmara neste ano, há clima para que ela seja aprovada no ano que vem? Ou, senão, fica só para 2019?
Não vou fazer esse tipo de previsão. Mas posso dizer que ano que vem, ano eleitoral, se a reforma não for aprovada, ela será o principal tema da campanha.

Quando o Correio lhe entrevistou sobre um estudo relativo à então nova classe média, o senhor já
alertava para os riscos de esse grupo não obter a estabilidade econômica e que ela estava amparada em uma base muito frágil. 

Naquela época, nós tínhamos um governo que achava que um pouco de inflação era bom. Inflação nunca é saudável. Até porque ela nunca fica pequena, você acaba perdendo o controle. Desde a década de 1950 até agora, de 10 em 10 anos, nós vivemos uma crise econômica. Ela gera crise política. Todos os episódios que vivenciamos tiveram essa trajetória.

Mas é algo inexorável?
Não. É fruto de um equívoco de não se tratar a teoria econômica e a experiência de outros países como o caminho mais correto a se percorrer. Não se usa a população como teste, a sociedade não pode ser cobaia de experiência econômica ou social. O fato de termos essa situação é a principal característica de nossa falta de sustentabilidade no crescimento econômico. O que gera crescimento é investimento e aumento de produtividade. É você trazer tecnologia e conhecimento. A deformação é de tal ordem que nós temos na cultura brasileira uma política de qualificação de pessoal. Temos o Sesi e o Pronatec. Eles formam os desempregados, em vez de terem a ideia de trazer conhecimento para o processo produtivo. Em qualquer país que não tenha um viés de crescimento apenas com base no consumo, a qualificação é com o empregado, porque você traz o conhecimento para o processo produtivo. Nós temos a cultura do desperdício.

Em que sentido?
Se você pegar o que é investido em saúde, é top de linha. Mas os resultados não são satisfatórios. O que se aplica em educação é uma barbaridade, se comparado a qualquer lugar do mundo. Há um populismo equivocado. Nesses ciclos de crise de 10 em 10 anos, quem perde? Aqueles que ganharam nos 10 anos anteriores. O que nós precisamos é de sustentabilidade no crescimento.

Tirando o fato das investigações contra o presidente Michel Temer, em que pontos o governo errou na estratégia da Previdência?

Isso não dá para responder, porque ela já estava aprovada se não tivesse tido a denúncia.

Se tivesse sido colocada antes como prioridade?
Ela foi colocada como prioridade. O fato de ser colocada como prioridade não significa que você vai ter voto.

Precisa conversar, debater. Sem a Previdência, o crescimento de 3% é inviável?
Como eu vou saber? Acho que vai ser um baque.

A oposição agora está criticando a renúncia fiscal que foi concedida às petroleiras na medida provisória. Há um cálculo desse baque nas contas? Os políticos usam isso muito nas propagandas. Inclui a renúncia dos bancos, o perdão da dívida, coloca tudo no mesmo pacote. 
A crise previdenciária é uma questão atuarial. É absolutamente impossível qualquer sociedade no mundo manter um sistema previdenciário com as características e regras que nós temos aqui. Essas características e regras não são jabuticabas. O mundo todo praticava isso no século passado, e teve que mudar o seu sistema previdenciário, porque estava errado. A questão é essa, não é petróleo, não é banco, entendeu?

Mudou o perfil demográfico. O que é uma boa notícia, o brasileiro está vivendo mais, está se cuidando mais, tendo mais acesso à saúde.
As pessoas estão tendo menos filhos, cada vez mais você tem menos jovens para manter a conta daquilo que cresce. Evidentemente, tem que ter um cálculo atuarial que compatibilize essa realidade.

O senhor falou de investimentos, mas parece que só tem olhos para a Previdência. Cadê os grandes
projetos e investimentos que o governo ia tocar? As privatizações?

Estão andando a pleno vapor. Os números são extremamente expressivos. Se a Previdência é aprovada, não tem dúvida de que vai melhorar ainda mais. E agora…

E o que tem de prioridade?
Estamos no terceiro ou quarto mês com arrecadação positiva. O objetivo do governo é conseguir recuperar sua capacidade de investimento. Temos outro programa, que é o Avançar, em que você tem quase 7 mil obras grandes, médias e pequenas no Brasil inteiro. E todas elas estavam paralisadas. Para recuperar a cultura da eficiência e acabar com o desperdício, então nós estamos recuperando nossa capacidade de investimento no setor público, e com isso, está se dando seguimento a esse programa. Este mês o governo vai entregar 25 mil novas moradias.

E a popularidade, ministro? O senhor acha que em determinado momento isso pode se refletir na popularidade do presidente?
Rapaz, a teoria diz que a economia sempre influi bastante na popularidade. Então quem sabe? Tem que esperar.

Pelo menos parou de piorar, não é?
É…

Estamos a menos de um ano da sucessão presidencial. A campanha eleitoral aí já está na rua. Há uma certa desorientação do ponto de vista da política eleitoral. Como é que o governo está vendo isso? Governo não, você, ministro.
Eu não tenho a menor dúvida de que nós já estamos vivendo um ambiente eleitoral. E é evidente que nós temos que começar a nos preparar para isso. Felizmente, tanto no PMDB quanto nos quadros que participam do governo Temer, temos pessoas que têm experiência, que viveram a vida toda num ambiente de disputa eleitoral. No domingo passado, foi feita uma reunião no Palácio da Alvorada para falar com os presidentes dos partidos. Não para cuidar da reforma da Previdência, mas para cuidar exatamente do quadro político, para definir e conversar sobre o quadro político.

Quem é o candidato do governo?
Você pergunta o candidato, não se cuida, não se fala de nome. É relativamente fácil você falar de candidato, difícil é ter candidatura. É difícil montar uma estrutura que tenha laços, ferramenta de mobilização. Esse conjunto de partidos detém grandes espaço de ter revisão, eles juntos poderão eleger até presidentes, deputados federais, então, nós temos de conversar sobre isso, ver quais são os desafios programáticos, de políticas públicas necessárias para dar continuidade a esse projeto que está sendo tão bem-sucedido, né? E também qual o mecanismo que nós vamos usar para escolher um candidato que una essas forças e represente efetivamente essas forças.

Esse candidato tem uma cara muito mais parecida com a do governador de São Paulo, Geraldo  Alckmin, ou com o ministro da Fazenda, Henrique Meirelles?
Até agora não estamos contratando nenhum retratista não.

Nenhum desses partidos da base, à exceção do PSDB, tem tradição de lançar candidatos a presidente da República, e sim, de fazer alianças. Como está a proposta do semipresidencialismo? Vocês discutiram isso?
Não. É um esforço que nós temos e que viemos até aqui juntos, estamos aplicando um programa bem-sucedido no governo, existem outros desafios, as reformas estruturantes basicamente, elas já estão feitas. A trabalhista, esperamos que a previdenciária, a do ensino médio. Mudanças de organização estruturantes da máquina, dos gastos públicos, da busca pelo equilíbrio fiscal. Nós fizemos uma mudança importantíssima na TJLP, para que nós não tenhamos mais essa distorção que se teve, que gerou tanto desequilíbrio e privilégios, tantas injustiças. Então isso tudo nos coloca na necessidade de trazer o Brasil para o século 21. Fazer mudanças de natureza micro-operacionais para as coisas ficarem mais fáceis com o cidadão. Por que o cidadão é obrigado a ter prazos e a cumprir prazos e o setor público, não?

Vocês querem o PSDB nesta coalizão eleitoral?
Nós queremos o maior número de brasileiros que estejam de acordo com as nossas propostas programáticas. Nós sabemos o que precisamos fazer no Brasil. Nunca você teve um presidente da República que tivesse um programa de conhecimento público antes de ser eleito e está cumprindo rigorosa e religiosamente esse programa. E temos um conjunto de partidos que tiveram ação parlamentar extremamente eficiente. O parlamento brasileiro nunca produziu tanto, fazendo mudanças e reformas tão profundas quanto neste curto período de tempo. Aqueles que quiserem vir virão. Se não quiserem, não virão. Ninguém é obrigado.

O presidente Temer vai ser candidato?
Não está se pensando em candidatura, muito menos na do presidente Temer. Seria um equívoco, absolutamente destrambelhado, para usar uma palavra jovem. Um equívoco destrambelhado. Se você colocar o presidente na ambição de ser candidato, ele não teria feito nada.

Nesse ponto, essas declarações o Meirelles não atrapalham a aprovação da reforma?
Como diz o presidente Temer, foi uma análise sociológica. Se o FHC (Fernando Henrique Cardoso) pode fazer (análises sociológicas), porque o Meirelles não pode?

Leia entrevista completa do presidente da Fundação Ulysses Guimarães publicada pelo Correio Braziliense em 10/12/2017: https://goo.gl/zXyEuR