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“Modelo político atual está exaurido”
18/01/2018O secretário-geral da Presidência, ministro Wellington Moreira Franco, disse ontem, em entrevista ao Valor PRO, serviço de informação em tempo real do Valor, que quem vencer o leilão da Ferrovia Norte-Sul terá que concluir as obras remanescentes a cargo da estatal Valec. O leilão da Ferrovia Norte-Sul, que chegou a ser anunciado para meados de fevereiro, não tem data definida para ocorrer. O edital sequer foi enviado ao TCU. E um dos principais impasses gira em torno da conclusão da parte de responsabilidade da estatal Valec. A solução anunciada pelo ministro viabilizaria o leilão este ano.
Moreira relativizou os problemas da Caixa, que teve que afastar quatro vice-presidentes sobre suspeitas de corrupção, por recomendação do Banco Central e do Ministério Público. Para ele, o modelo político que ainda vigora no país, de partilha de cargos públicos com partidos políticos aliados ao governo, já se exauriu. A Lei das Estatais – a Caixa é uma das últimas empresas a se adequar com a mudança no seu estatuto – é a solução para a escolha dos novos administradores do banco, que passa a ser atribuição do seu Conselho de Administração.
O ministro insistiu que a aprovação da reforma da Previdência Social é a prioridade do governo Temer para fevereiro. Ele chamou a atenção para o fato de que nove Estados e uma centena de municípios de médio porte estão com graves dificuldades para honrar seus compromissos com aposentados e pensionistas.
Segue a entrevista:
Valor: O episódio da Caixa não demonstra a exaustão do sistema político?
Wellington Moreira Franco: Esse modelo político está exaurido já há algum tempo. A exaustão dele se dá de maneira muito mais radical quando nós vemos que o Congresso não consegue votar os mecanismos de sustentação do próprio sistema, como modelo de financiamento de campanhas, estrutura partidária, prazos de filiação, fidelidade, cláusula de desempenho, confundindo representação com representatividade, que são coisas absolutamente distintas.
Valor: Voltando à Caixa, que teve que afastar quatro vice-presidentes suspeitos de corrupção…
Moreira: Esse problema da Caixa já foi enfrentado quando da votação da Lei das Estatais. Nela buscou-se introduzir nas empresas públicas os mesmos mecanismos vigentes nas empresas privadas que estimularam uma mudança de governança das empresas, de compliance.
Valor: O governo precisava esperar a mudança no estatuto, previsto na Lei das Estatais, para blindar a Caixa de indicações políticas?
Moreira: A última que falta [mudar o estatuto, transferindo a escolha da diretoria para o Conselho de Administração] é a Caixa. Já foi feita a adequação no BNDES, na Eletrobras, em Furnas. O modelo já estava esgotado, tanto que uma das primeiras medidas do presidente Michel Temer foi apoiar a legislação para que introduzíssemos, nas empresas estatais, as regras que vigoram nas empresas privadas com muito sucesso.
Valor: Um detalhe chamou a atenção: o Banco Central poderia ter resolvido isso, determinando ele próprio o afastamento dos vice-presidentes sob suspeita, mas optou por um caminho mais tortuoso….
Moreira: Tortuoso não, mas menos virulento, menos traumático. Creio que o BC agiu como deveria. Chamou as autoridades, alertou para que esse processo se desse, respeitando dois valores fundamentais.
Valor: Quais?
Moreira: Primeiro, a possibilidade da ampla defesa dos envolvidos. E, segundo, o respeito ao que está escrito na lei e na Constituição.
Valor: Como fica a relação governo-base aliada diante do fato que estão encolhendo as possibilidades de indicação política para a ocupação de cargos?
Moreira: É fundamental que nós entendamos que na atividade política, no regime democrático, quando você não tem hábitos que resolvam conflitos pela força, você tem prioridade. E a prioridade é a Previdência. Todas as concessões que não ferirem frontalmente os interesses do país serão buscadas, serão tecidas, para que possamos aprovar a reforma da Previdência.
Valor: Como e por quê?
Moreira: Porque estamos vivendo a situação do Estado do Rio Grande do Sul, do Rio de Janeiro, do Rio Grande do Norte, está se vendo Minas Gerais. Já são nove Estados e uma centena de municípios de médio porte que têm problemas na Previdência, todas quebradas e aposentados e pensionistas que não recebem. E a tendência é piorar se não aprovarmos a Previdência. Se não aprovarmos a reforma estamos condenando o debate eleitoral a se dar sobre a Previdência. Se aprovarmos, vamos poder discutir o futuro, que tipo de esforço nós devemos fazer para dar continuidade às conquistas que obtivemos nesse período e que vão nos permitir alcançar o grande objetivo do governo Temer: criar as bases para o crescimento sustentável. Não dá para nós, de dez em dez anos, impormos a perda de todas as conquistas obtidas no período anterior. E sempre pela mesma razão: gastança, gastança.
Valor: Desde 1982 nós estamos envolvidos com desequilíbrio fiscal…
Moreira: 1982 porque você é generosa. Se você for a 1945, alí naquela época começou a ter. A única diferença da crise de 45, de 54, de 64, 1978-1982 e vem até agora é que até o Plano Real nós tínhamos o câmbio (administrado)…
Valor: E a inflação alta que encobria parte dos problemas fiscais.
Moreira: Pois é. Agora nós conseguimos mais ou menos acertar a questão cambial. Mas a gastança, a leviandade fiscal, a falta de cuidado com as contas públicas, com as gerações, futuras, isso é um dado cultural.
Valor: Entre as concessões possíveis para aprovar a reforma da Previdência não entram mais os cargos da Caixa. É isso?
Moreira: Nesse raciocínio tão pragmáticos seu, a Caixa já estava fora.
Valor: O presidente da Câmara, Rodrigo Maia, disse que não se vota a reforma da Previdência em 19 fevereiro. Se não tem em fevereiro não tem em 2018. Aliás, ele tem sido sempre o primeiro a dizer que o governo não tem os voto quando se aproxima a data de votação. Que aliado é esse?
Moreira: Não, ele é um aliado. Vocês não vão me intrigar com o Rodrigo Maia. Nem por razões políticas nem pessoais.
Valor: É um aliado pragmático
Moreira: Aliado bom é aquele que chega para você e diz ‘nós não estamos ainda com os votos’.
Valor: Não seria também o que o ajuda no esforço para votar?.
Moreira: Mas isso ele tem ajudado. Ninguém mente com números. É uma fantasia. Para nós, o bom aliado é o que diz, inclusive para a opinião pública, quais as dificuldades. Agora, o governo sabe das dificuldades, está trabalhando intensamente para vence-las. Cada vez mais não só a população, mas também os parlamentares estão percebendo que a Previdência não é uma questão do governo, é uma questão do país, o exemplo desses Estados todos é mais que pedagógico, é uma bofetada na verdade.
“Todas as concessões que não ferirem os interesses do país serão buscadas para aprovar a reforma”
Valor: O que se pode botar no lugar da base que se exauriu para votar a reforma, por exemplo?
Moreira: Eu não sei. Vocês jornalistas gostam de cenários. Eu não faço cenário. O que eu acho é o seguinte: as coisas mudam. O principal lema do MDB é a mudança. Estamos acostumados, até porque fomos nós que fizemos as maiores mudanças no país e estamos fazendo agora. Dificilmente, nós vamos ter um governo que, num espaço de tempo tão pequeno, fez tantas mudanças como o governo do presidente Temer. E mudanças do tipo ‘fim da conta movimento’. As pessoas falam em reforma, reforma. Nada foi igual, o impacto na economia brasileira, na administração da economia brasileira, que o fim da conta movimento. Nós estamos preparados para isso e nem estamos preocupados em saber qual a outra ferramenta para fazer fisiologismo. Nós procuramos conversar com nossos parceiros, nossos aliados, e governar juntos. O que o bom político quer é isso. No Brasil é que se pega esse fato, de um lado, por preconceito… No Brasil não, de um modo geral, no mundo todo as pessoas se põe de uma maneira preconceituosa contra o fato de as pessoas quererem governar quando apoiam uma decisão. A história está cheia disso. Vocês viram o filme sobre o Abraham Lincoln ou leram o livro. Foi dessa maneira que ele conversou para aprovar o fim da escravidão. Isso se repete em tudo que é lugar. Agora nós temos que ter mecanismos que previnam os desvios, os excessos e nós vamos nos civilizando nesse processo.
Valor: A reforma interessa a todos os presidenciáveis. Não seria o caso de um acordo com eles? Em 2002 FHC chamou os candidatos para que se comprometessem com o acordo que o governo fechava com o FMI. Não seria o caso de se tentar algo parecido agora?
Moreira: Naquela época o ambiente brasileiro era completamente diferente. Hoje não há ambiente. E olha que o governo do presidente Temer é um governo de diálogo, ele conversa com muita frequência com Fernando Henrique. Com o presidente Lula vivendo toda, qual é a possibilidade?
Valor: E o Geraldo Alckmin [governador de São Paulo, presidente e virtual candidato do PSDB]?
Moreira: Todos nós temos uma boa relação com o PSDB e com o governador Alckmin. Agora, o partido absorveu algumas características muito ruins do antigo MDB. Eu brinco que no MDB o militante já entra major, ele quer logo abrir uma dissidência. Mas o sentido da gravidade sempre esteve presente. Quando viam situações de alta periculosidade, eles se uniam. Hoje o PSDB, criado depois, ficou só com o lado animado do processo de debate e não com a dificuldade de ter a noção do perigo.
Valor: O senhor situa nesse quadro de radicalização o caso da deputada Cristiane Brasil (PTB-RJ), que até agora não conseguiu assumir o Ministério do Trabalho?
Moreira: São dois equívocos. O primeiro é que é um ato político, não é um ato jurídico. E um ato político do presidente da República, segundo está escrito na Constituição, pode ser visto, debatido pelo Supremo. O segundo ponto, a nomeação, consequentemente o trato do problema, é exclusivo do presidente da República. Está lá escrito que é privativo do presidente.
Valor: A judicialização da política está chegando a um momento complicado, não?
Moreira: E isso gera insegurança jurídica geral. E há outra coisa em relação a essa nomeação, que é a razão posta. Criar um impedimento novo, que não existe em lei, quantas empresas – na área industrial, financeira, na agropecuária, na área de comunicações, algumas até concessões públicas, quantas delas têm ações trabalhistas, e nem por isso as pessoas são consideradas inidôneas para o exercício das suas funções. Ela foi indicada pelo PTB, o primeiro partido a fechar questão num projeto tão fundamental para o país, que é a Previdência. O presidente entende esses fatos todos, mas ele poderia ter feito o que fez o então presidente do Senado, Renan Calheiros, que se recusou a cumprir uma decisão judicial do Supremo. Ele sabe, porém, que o respeito institucional é um fundamento necessário para uma sociedade estável e uma das armas mais eficazes do combate à intolerância, porque evita criar situações de grande tensão.
Valor: Outra questão que está esbarrando em dificuldades políticas é a Eletrobras.
Moreira: A Eletrobras esbarra na mesma questão que gera essa insegurança, até uma certa insensatez, que é você procurar pelo em ovo. Foi mandada uma medida provisória que não cuida da…
Valor: Privatização.
Moreira: Ela não vai ser privatizada, ela vai ser descotizada, são mecanismos distintos.
Valor: A MP põe a Eletrobras no Plano Nacional de Desestatização, mas o xis da questão hoje é o projeto de lei da modelagem.
Moreira: Está pronto.
Valor: Por que o presidente não assinou?
Moreira: Por que o Congresso está fechado. Assim que abrir vai querer votar a Previdência.
Valor: E o leilão da Ferrovia Norte-Sul?
Moreira: Vai entrar agora.
Valor: A Valec não consegue concluir um pequeno trecho…
Moreira: Esse trecho pequenininho vai entrar. Numa queda de braço que é natural que tenha, afinal de contas o contraditório é importante, mas ele vai ser incorporada na concessão.
Valor: Faz o leilão e quem ganhar termina esse trecho?
Moreira: Claro.
Valor: E o decreto da devolução das concessões, quando sai?
Moreira: Já houve aprovação no Congresso e agora é preciso esse decreto que a área jurídica está avaliando. Veja só: esse clima de ver malfeito em cada atitude gera uma insegurança na administração, tanto técnica quanto jurídica, enorme. O Rodrigo Maia disse ontem que o Judiciário está paralisando o país.
Valor: Por outro lado é bom que se tenha todo o cuidado, não?
Moreira: Cuidado é uma coisa. Paralisar, inibir é outra.
Valor: O governo vai apoiar algum candidato a presidente?
Moreira: A questão eleitoral não está na nossa pauta. Se a Previdência passar, vamos ter uma eleição; se a Previdência não passar, vamos ter outra eleição. Você vai para aqueles programas que o público participa, é inevitável que aposentados perguntem ‘E eu, como é que fico, o que o senhor vai fazer? No Rio Grande do Norte, no Rio Grande do Sul, Rio de Janeiro, Minas Gerais, que está com salários atrasados, o que vai se perguntar?
Esta entrevista foi originalmente publicada no Valor Econômico, no dia 18 de janeiro de 2018. Link para matéria: http://bit.ly/2DnSsmD