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Artigo: Vivemos uma realidade nova, inesperada para o presente, mas nada surpreendente
22/05/2024José Fogaça
A Agência Senado publicou há poucos dias uma matéria bastante instigante sobre o tema da emergência climática. Os jornalistas da Agência fizeram um trabalho de pesquisa extraordinário, a
partir de um levantamento de todas as medidas provisórias editadas pelos governos desde Fernando Henrique, passando por Lula da Silva, Dilma Roussef e Michel Temer, até Jair Bolsonaro.
O estudo registra que 261 medidas provisórias foram emitidas, a partir de 2002, com a finalidade de abrir créditos extraordinários, com vistas às mais variadas situações de emergência, entre elas a crise da pandemia.
Os eventos climáticos – é de ressaltar – representaram uma parcela considerável dessas medidas provisórias. Foram 74 MPs desde 2002, quando foi editada a MP 54 daquele ano, liberando recursos para ações emergenciais de defesa civil, direcionados aos municípios do Piauí.
Uma das conclusões mais importantes desse trabalho do Senado Federal é a constatação de que vivemos realmente uma época atípica, de grandes eventos climáticos, que já não podem mais ser considerados simples ocorrências eventuais normalmente distanciadas no tempo. Nos últimos 24 anos, diz o relato da Agência Senado, só não foram editadas medidas provisórias para atender a ocorrências climáticas em 2017e 2019.
Em 2023, por exemplo, foram emitidas nove medidas provisórias para amparar ações de defesa civil em diferentes regiões do país: São Paulo, Santa Catarina, Roraima, Pernambuco, Paraná, Pará, Minas Gerais, Amazonas, Alagoas, Acre e Rio Grande do Sul, sempre com a finalidade de reduzir danos dos desastres provocados pelas mudanças climáticas. É de chamar atenção o fato de que mais da metade desses recursos (56,5%) foram destinados ao RGSul, dada a proporção das perdas materiais e da quantidade de óbitos ocorridos. A todos os demais estados da federação que receberam socorro desse tipo (foram dez) coube 43,5%.
O RGS se localiza em uma posição hemisférica bastante singular. O fato de estar situado no ponto mais austral do Brasil torna o estado o primeiro a receber as massas de ar frio que vêm da Antártica. Ao mesmo tempo, têm ocorrido sistemáticamente, não só pela presença do fenômeno El Niño, grandes ondas de calor que se originam no Pacífico, em águas próximas ao Peru, que se
somam às ondas de calor oriundas da região amazônica. No encontro da massa de ar frio com a massa de ar quente, dá-se um bloqueio atmosférico. As nuvens ficam detidas sobre o território do RGS por longos períodos. As chuvas, que poderiam ser passageiras, estendem-se por vários dias, causando enchentes e transbordamento dos cursos d’água, em proporções gigantescas. Ocorreu em setembro de 2023 e voltou a ocorrer em maio de 2024. Tudo indica que não se trata mais de uma ocorrência eventual. Pode se tratar, verdadeiramente, de um fenômeno recorrente.
Nem todos os casos de medida provisória foram de chuvas ou enchentes. Registre-se a seca que atingiu pescadores profissionais nos municípios da Região Norte e que motivou a edição da MP 1195, de 2023, a qual perdeu a eficácia em decorrência do término de seu prazo para votação no Congresso. Essa MP abria crédito extraordinário destinado a cobrir o seguro defeso de pescadores artesanais do Norte. O seguro defeso é uma espécie de seguro-desemprego que é utilizado em situações de grande estiagem.
O que é importante deduzir, dessa pesquisa da Agência Senado, é o fato de que estamos vivendo uma nova, porém nada surpreendente realidade.
A edição sucessiva de Mps para eventos climáticos é quase uma “road map”, um mapa da estrada, uma linha de tempo comprobatória da existência real de mudanças climáticas. Nunca foram necessárias tantas aberturas de crédito para desastres naturais como na última década. Ainda por cima: a soma de recursos destinados a esse fim vem crescendo assustadoramente.
Nossa geração acreditava que os efeitos das mudanças climáticas motivadas pela ação do ser humano, se existissem, viriam a acontecer quase no final do século, mais especificamente grande parte das previsões estabelecia a década de 70 do século 21 como um momento crucial para o efeito das mudanças climáticas.
A realidade está provando, no entanto, que esses efeitos talvez não esperem até a década de 70 deste século para acontecer.
Tudo indica que já estão acontecendo.