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A escolarização é apenas uma parte da educação
20/05/2014“A escola passou a ser vista como um espaço de salvação”. A afirmação é do
professor,
educador e filósofo Mario Sergio Cortella, que lança nesta semana o livro Educação, Escola e Docência – Novos
Tempos, Novas Atitudes. Conforme Cortella é preciso lembrar que a
escolarização é apenas uma parte da educação. “Educar é tarefa da família.
Muitas vezes, o casal não consegue, com o tempo que dispõe, formar seus filhos
e passa a tarefa ao professor, responsável por 35, 40 alunos”, afirma.
Em entrevista ao site Estadão,
ele destaca a necessidade de uma parceria entre escolas e famílias, o impacto da
tecnologia e como tornar as aulas mais interessantes. Cortella
enfatiza também a importância de destacar as redes sociais no aprendizado de
crianças e jovens. “A escola tem de ficar atenta ao novo”.
Confira a entrevista na íntegra:
O
senhor fala em métodos de ensino do século 19, docentes do século 20 e alunos
do século 21. É possível resolver o descompasso?
A
escola tem de ficar em estado de prontidão para acompanhar uma parcela das
mudanças, que acontecem de forma extremamente veloz. Isso porque nem tudo o que
vem do passado tem de ser levado adiante. A escola precisa distinguir o que vem
do passado e deve ser protegido, ou seja, o que é tradicional, daquilo que
precisa ser deixado para trás porque é arcaico. Autoridade docente, atenção ao
conteúdo e formação de personalidade ética são valores tradicionais. A escola
tem de estar atenta às mudanças tecnológicas, mas não se submeter a elas. Vou
dar um exemplo. Imagine se em 2004, quando foi criado o Orkut, uma escola
criasse um projeto pedagógico baseado nessa rede social. Como um projeto
pedagógico demora 10, 12 anos para ser aplicado na sequência de seriação, hoje
ele já estaria obsoleto. Já pensou se quando o pen drive foi lançado outra
escola tivesse decidido que todos os alunos deveriam organizar seus materiais
nesse formato, que, chegou-se a dizer, substituiria a mochila? Hoje, nenhum
jovem usa pen drive: eles guardam tudo em nuvens. Portanto, o que digo é que a
escola tem de ficar atenta ao novo, mas não ser refém.
Cada
vez mais a aprendizagem ocorre fora do espaço escolar. O que é preciso fazer
para conquistar o aluno quando tudo fora da escola parece mais interessante?
Vou
te dizer uma coisa que parece óbvia: Ninguém deixa de se interessar por aquilo
que interessa. Nós temos de saber o que interessa ao aluno para, a partir daí,
chegar ao que é necessário. É preciso conhecer o universo circunstancial dos
alunos: as músicas que eles estão ouvindo, o que estão assistindo de programas
e vendo de desenho animado, para chegar à seleção do conteúdo científico
necessário. Temos de partir do universo vivencial que o aluno carrega para
chegar até aquilo que de fato é necessário acumular como cultura produzida pela
humanidade. Hoje, a escola não pode ser extremamente abstrata, como no meu
tempo. O conteúdo tem de ser conectado com o dia a dia.
O
que as escolas precisam fazer para encantar as crianças?
É
preciso incorporar o que elas já fazem. A geração anterior, de quem já tem mais
de 30 anos, só se comunicava pelo telefone. Esta geração de crianças e jovens
voltou a escrever – no Facebook, no Twitter, no WhatsApp, em blogs. A escola
tem de aproveitar essa produção. Alguns até dirão que eles escrevem errado.
Claro, todo mundo escreve errado antes de escrever certo. Podemos partir de uma
escrita que não está no padrão para chegar à norma culta.
Conversando
com pais e professores, a impressão é de que estão insatisfeitos. As famílias
se queixam das escolas e as escolas, dos pais. O que acontece?
Antes
de mais nada, não estamos diante do crime perfeito, em que só há vítimas. Temos
autor também. E essa autoria é multifacetada. A escola foi soterrada nos
últimos 30 anos com uma série de ocupações que ela não dá conta – e não dará.
Em uma sociedade em que os adultos passaram a se ausentar da convivência com as
crianças, seja por conta do excesso de trabalho, da distância nas megalópoles
ou da falta de paciência para conviver com aqueles que têm menos idade, a
escola ficou soterrada de tarefas. As famílias confundem escolarização com
educação. É preciso lembrar que a escolarização é apenas uma parte da educação.
Educar é tarefa da família. Muitas vezes, o casal não consegue, com o tempo de
que dispõe, formar seus filhos e passa a tarefa ao professor, responsável por
uma classe de 35 ou 40 alunos, tendo de lidar com educação artística,
religiosa, ecológica, sexual, para o trânsito, contra a droga, português,
matemática, história, biologia, língua estrangeira moderna, etc, etc, etc. A
escola passou a ser vista como um espaço de salvação.
E
como resolver a questão?
A
família precisa retomar o seu papel, porque ter filho dá trabalho. Ou será que
as pessoas não sabiam? Existe tempo, aplicação, reordenamento, partilha das
tarefas. A escola não tem como dar conta de tudo o que dela hoje se requisita.
Quando há um linchamento, querem que a escola fale sobre linchamento. O mesmo
ocorre com briga em estádios, corrupção, etc. E nem adianta o pai ou a mãe
dizer: “A gente paga, a gente quer o serviço”. É preciso uma parceria entre a
escola e as famílias. Uma ideia é manter, como algumas instituições fazem, uma
escola de pais, com reuniões periódicas para ajudar as famílias na reflexão.
De
que maneira a convivência reduzida das famílias com os filhos afeta a escola?
Nunca
tivemos tanta agressividade dos alunos contra os docentes. Parte das crianças
fica sozinha, come se quiser, vai de perua para a escola e quase não encontra
adultos. Se é de classe média, o único adulto que ela encontra é a empregada,
para quem ela dá ordem. Não há uma estrutura da disciplina. O primeiro adulto
que ela encontra no dia é o professor, que pergunta cadê o uniforme, você fez a
tarefa, guarde o celular. Claro que nessa hora a criança vem para cima. É uma
geração que confunde desejos com direitos. É preciso uma educação que seja mais
firme, mas isso exige tempo, e tempo é questão de prioridade.
Fonte: Estadão