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ARTIGO: “E lá se vão cinco anos!”

12/05/2021

*Michel Temer

Não é hora de ódio, mas de pregar a paz entre os brasileiros e a harmonia entre as instituições

Há cinco anos assumi a Presidência da República. Afastada a senhora presidente, desejou-se realizar posse em largo espaço no Palácio do Planalto. Modestamente, achei que o momento não era para comemoração. Era, apenas, cumprimento de um dever constitucional. Pedi para realizarem o ato no menor dos auditórios. Entretanto, surpresa! Quando me dirigi ao local, os corredores estavam repletos de deputados, senadores, assim como populares que não conseguiram ingressar naquele espaço, que
estava lotado. Percebi naquele momento que tinha apoio sólido do Congresso Nacional.

Quase todos os partidos estiveram presentes, a confirmar tese que alardeei ao longo do tempo: a unidade de todos para enfrentar os problemas do País. E quais eram eles? Inflação de dois dígitos, juros da taxa Selic em 14,25%, estatais desarranjadas e dando prejuízo, déficit fiscal, descrédito, desânimo,
imagem negativa no exterior e desarmonia interna no governo. Tive de providenciar, às pressas um bom Ministério.

Não se verificou nenhuma transição. Ao contrário. Quando cheguei ao gabinete, no dia seguinte, havia apenas uma servidora ali sentada, e com grande constrangimento. Não havia agenda telefônica nem dados nos computadores administrativos. Começamos, assim, praticamente do zero.
Embora partindo do zero pus em prática a Ponte Para o Futuro, plano de políticas públicas que havia sugerido ao governo de então, mas foi tomado como gesto de oposição. Com uma equipe formada por vários partidos, ao fundamento de que o Executivo não governa sozinho, mas com o Legislativo, o governo começou a trabalhar.

A primeira providência saneadora foi a emenda à Constituição referente ao teto de gastos. Era autolimitação ao próprio presidente da República, já que medidas populistas não seriam possíveis. Deputados a aprovaram na madrugada de um feriado. E por ampla maioria, o que revelava, mais uma
vez, o apoio congressual pois o mesmo se deu no Senado.

Enquanto isso, reconheço, a oposição combatia ferozmente o meu governo. Protestava. Mas eu não protestava contra os protestos. Afinal o Estado é Democrático de Direito. Cabia à oposição opor-se. Ao meu governo, governar.

Sabia que o Brasil carecia de reformas. Algumas, causadoras de impopularidade. Com o teto para os gastos aprovado, chamei os governadores e permiti que deixassem de pagar seu débito com a União por
seis meses. Sabia das dificuldades dos municípios nos finais de ano. Daí por que os socorremos mediante divisão da multa de repatriação e outros valores. Atendi, assim, ao princípio federativo. Fiz aprovar projeto que disciplinava a nomeação de dirigentes das estatais. Estas se recuperaram, sendo o exemplo mais saliente a Petrobrás. Realizamos a reforma do ensino médio, pleito que se fazia havia mais de 20 anos. Fizemo-la por medida provisória, que, convertida em lei, ganhou aplauso dos brasileiros. Outra reforma corajosa foi a trabalhista. Esta diminuiu a litigiosidade reinante entre empregado e empregador, além de flexibilizar as relações de emprego com a introdução de vários avanços, sem retirar nenhum direito do trabalhador. E patrocinamos durante mais de um ano a reforma da Previdência, que só não foi votada no meu governo em razão de tentativas institucionais irresponsáveis com vista a apear-me da Presidência. Tentativas que hoje são derrubadas sumariamente pela Justiça.

Também não nos esquecemos da parte social. Demos dois aumentos acima da inflação ao Bolsa Família e retomamos o Minha Casa, Minha Vida, que estava paralisado por falta de pagamento às construtoras. Liberamos o FGTS das contas inativas, o que gerou mais de R$ 44 bilhões entregues a cerca de 25 milhões de trabalhadores. No meio ambiente, criamos a maior reserva marinha que o mundo conhece, equivalente aos territórios da Alemanha e da França somados. Também quadruplicamos a Chapada dos
Veadeiros. Distribuímos cerca de 280 mil títulos de regularização fundiária; batemos o recorde na produção de grãos e no Índice Bovespa.

No plano internacional sustentamos o multilateralismo. A multilateralidade se impõe. Basta lembrar que a China é o nosso principal parceiro comercial. O segundo, EUA. Aliás, nós nos empenhamos e levamos adiante o acordo Mercosul-União Europeia. Na saúde, ampliamos o número de ambulâncias,
de unidades básicas de saúde, financiando a conclusão de hospitais em unidades da Federação.

Mas o mundo, nestes últimos cinco anos, mudou. E mudou muito. A inovação, a tecnologia, o uso sustentável dos recursos naturais, a recuperação da economia, o enfrentamento à pandemia são os novos desafios. Agora é hora de discutirmos a qualidade dos gastos, de salvarmos o planeta ameaçado, de recuperarmos os investimentos. É hora de vacinar todos. Não é hora de ódio entre pessoas e instituições, mas de pregarmos a paz entre os brasileiros e a harmonia entre as instituições. É momento de darmos a nossa colaboração e apresentarmos um programa-base à Nação. E é isso que, juntamente com a Fundação Ulysses Guimarães, começamos a construir. O lugar do Brasil no mundo para os próximos anos tem de ser construído agora.

*ADVOGADO, PROFESSOR DE DIREITO CONSTITUCIONAL, FOI PRESIDENTE DA REPÚBLICA

ARTIGO PUBLICADO NO JORNAL ESTADO DE S.PAULO, EM 12/MAIO/2021, EDITORIA OPINIÃO