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#Artigo: Educação integral – qualidade e equidade
09/06/2015Pôr em prática políticas de
educação integral no Brasil – não apenas para que se atinja a meta prevista no
Plano Nacional de Educação (PNE), mas para efetivamente melhorar a aprendizagem
dos alunos – é um desafio enorme. E urgente.
O
Brasil tem uma rede de educação básica ampla e complexa – quase 50 milhões de
alunos, 2 milhões de professores e 200 mil escolas –, profundamente marcada
pela desigualdade das condições de infraestrutura, da formação dos professores
e gestores, das condições de apoio e do nível socioeconômico dos alunos, o que
faz as escolas, frequentemente num mesmo município, apresentarem resultados
muito díspares. A educação integral tem sido apontada como um caminho
importante para ajudar o País a avançar na qualidade do ensino público e também
como fator estratégico para a redução da desigualdade, principalmente no que se
refere a escolas que atendem alunos em situação de maior vulnerabilidade.
Mas
para que a educação integral tenha esse efeito transformador é preciso entender
que se baseie no conceito de desenvolvimento pleno do ser humano, que considera
diferentes dimensões: física, afetiva, cognitiva, socioemocional e ética. O
conceito é aprofundado no documento Educação integral – um caminho para a
qualidade e a equidade na educação pública, construído a partir de discussões
de um grupo de especialistas da área educacional sobre o tema, cujo objetivo é
contribuir para o debate sobre o que se entende por educação integral, para
além da ampliação da jornada escolar, alargando as oportunidades de
aprendizagem das crianças e dos jovens do Brasil.
Na
publicação avalia-se que ter um plano e construí-lo em consonância com o
projeto político-pedagógico da rede de ensino e com a participação de docentes,
famílias, comunidade e alunos é primordial para a qualidade e a
sustentabilidade das propostas de política pública de educação integral.
Exemplos de redes de ensino que investiram nesse princípio mostram a
intencionalidade pedagógica do modelo adotado e levam em consideração as
demandas e as necessidades de toda a comunidade escolar como fatores-chave,
embora não únicos, do sucesso de um plano de educação integral. A adequação ao
contexto local é outra característica que distingue as experiências
bem-sucedidas.
A meta
6 do PNE, que trata da educação em tempo integral – termo já bastante
contestado por apontar apenas para o aumento da jornada escolar, suprimindo um
debate mais aprofundado sobre o conceito do desenvolvimento integral do aluno
–, tem estratégias que abordam a diversidade local e a articulação no
território como aspectos a serem considerados no desenho das políticas
públicas. Mesmo os países que já garantem as sete horas diárias na escola a todos
os alunos têm passado a investir em espaços que não fazem parte da estrutura
formal da escola como parceiros na ampliação das oportunidades de aprendizagem.
Isso significa que não apenas as secretarias de educação, mas diferentes áreas
do governo e da sociedade civil podem e precisam participar no desenvolvimento
das políticas de educação integral, para que se garanta o compromisso da gestão
municipal com a disponibilização de espaços e o planejamento de atividades
pedagogicamente relevantes e que tenham significado no contexto cotidiano dos
alunos.
Assim,
ao incluir no planejamento os equipamentos culturais e esportivos das cidades,
por exemplo, é preciso levar em conta o modo como eles podem ser acessados e de
que forma serão integrados ao projeto político-pedagógico das escolas para
promover o desenvolvimento das crianças e dos jovens. Isso requer conversa e
cooperação entre a secretaria de educação e as outras pastas da administração
pública responsáveis pelas políticas de cultura, esportes, assistência social,
transportes e mobilidade, entre outras. Nessa interação com o território, o
envolvimento de organizações sociais que oferecem projetos socioeducativos a
crianças e jovens é igualmente estratégico, mas, assim como em relação a todos
os demais atores, esse envolvimento deve ter como alicerce a relevância para o
desenvolvimento dos alunos em articulação com a escola.
Para
que essa rede articulada funcione é fundamental que se pense na formação
docente e dos profissionais da educação e das demais áreas envolvidas nas
atividades propostas. O plano de educação integral precisa, além disso,
considerar paralelamente todas as questões específicas de cada etapa escolar,
como o ensino médio, fase em que as características da juventude precisam ser
levadas em conta no planejamento das ações, de modo a promover o protagonismo
dos jovens e sua relação com os espaços e a cidade.
Nos
diversos exemplos apresentados na publicação referida neste texto, fica claro
que não há um modelo único. Cada localidade e, no limite, cada escola deve
encontrar o seu – de acordo com a proposta pedagógica vigente, as demandas da
comunidade escolar, as condições de infraestrutura, a integração com os
equipamentos esportivos e culturais e a capacidade de atendimento. De fato,
podem coexistir diferentes formatos de educação integral dentro de uma mesma
rede de ensino. Mas é importante destacar que na maioria dos casos é necessário
investir mais recursos tanto na melhora das condições dos prédios escolares –
garantindo espaços e materiais adequados para a aprendizagem – como na
contratação ou na adequação da jornada de trabalho docente e formação dos
professores, e ainda prever recursos de outras pastas envolvidas.
O grupo
de especialistas envolvidos nesse debate foi taxativo quanto à importância de
começar pela formulação de um bom plano de educação integral para que a
execução dessa política não fique pela metade. Mas é primordial implementá-lo
com excelência para que ele faça a diferença na aprendizagem e na vida das
crianças e dos jovens.
*Alejandra
Meraz Velasco é economista pelo Instituto Tecnológico Autónomo de México e
mestre em políticas públicas pela Universidade de Chicago. Trabalhou no setor
público como assessora no Ministério da Fazenda do México e na Secretaria
Municipal de Educação de São Paulo. No terceiro setor tem trabalhado em
organizações que assessoram e advogam em matéria de políticas públicas
municipais, políticas para a infância e políticas de educação. Atualmente é
Coordenadora Geral do movimento Todos Pela Educação. (Contato: alejandra@todospelaeducacao.org.br).
*Patricia
Mota Guedes é formada em Ciências Políticas e Alemão pela Universidade do
Arizona, Patricia Mota Guedes é mestre em Administração Pública pela
Universidade de Massachusetts e em Políticas Públicas pela Universidade de
Princeton. Já coordenou programas de educação e saúde para crianças e
adolescentes no governo do Estado de Massachusetts, nos Estados Unidos. Desde
2001, é pesquisadora e gestora de projetos na área de educação e hoje atua na
Fundação Itaú Social como especialista em gestão educacional.
Artigo publicado originalmente no jornal Estadão.