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#Artigo Limitações ao endividamento público: Lobo em pele de Cordeiro?
06/11/2015Roberto
Requião e Lindbergh Farias*
Com muita
satisfação vimos nos últimos tempos que nosso colega, o Senador José Serra,
como grande economista que é, tem feito críticas bem fundamentadas contra os
juros elevados e os excessos das operações de swaps cambiais. O Senador mais
uma vez inova ao popularizar e tornar conhecido para nós políticos o termo
“dominância fiscal”, nos ajudando, assim, a entender o imbróglio em
que irresponsavelmente nos meteu o Banco Central nos últimos dois anos, em
razão de um aumento exagerado dos juros e excesso de operações de swap cambial.
Essas
críticas estão bem colocadas no relatório que ele fez na Comissão de Assuntos
Econômicos do Senado Federal sobre uma emenda de sua autoria que visa limitar o
endividamento público.
Infelizmente,
a ótima qualidade das críticas não pôde ser transmitida para o texto normativo.
O projeto, que propõe estabelecer limites muito específicos e estreitos ao
endividamento público, não tem uma conexão muito precisa com os argumentos
válidos do relatório. Com pesar, temos que admitir que o discurso sensato e
inteligente do Senador José Serra não conseguiu se consolidar na proposta
legislativa, apesar da alta qualidade técnica do relatório e dos cuidados
republicanos para dar flexibilidade aos limites propostos. Pretendemos,
humildemente, mostrar abaixo o porquê não concordamos com a proposição.
Resumidamente,
podemos dizer que o projeto propõe um limite muito estreito para a dívida
pública bruta e para a dívida pública líquida, respectivamente, de 4,4 e 2,2
vezes a Receita Corrente Líquida da União. Hoje esses patamares estão em 5,6 e
2,2 vezes a Receita Corrente Líquida.
Em primeiro
lugar, devemos lembrar que o projeto não tem a seu favor nenhum exemplo
internacional bem-sucedido entre as grandes nações. Isso não é bom, porque, em
um tema que pode afetar a vida de milhões de pessoas, precisamos ser muito
cuidadosos e usar o máximo dos exemplos históricos para evitarmos erros.
Em segundo
lugar, devemos lembrar que, quase certamente nenhuma das grandes potências do
mundo hoje se enquadrariam a esses limites. Nos termos da proposta, elas teriam
sua política fiscal, monetária e cambial paralisadas ou fortemente
constrangidas em razão desses limites. Em termos práticos, esses países seriam
obrigados a sofrer grave recessão ou inflação por muitos anos para poderem
adequar as demandas democráticas de governabilidade e legitimidade a limites de
endividamento como esse. Qual seria o grande benefício desse projeto que
compensaria tal desastre?
Acredito que
o autor da proposta também tem essa preocupação. Por isso ele colocou no
relatório uma ressalva que poderia ser reescrita, em nossas palavras, da
seguinte forma para o caso internacional: “ok, voltar ao limite, uma vez
ultrapassado é custoso, mas se o limite ao endividamento que propomos já
existisse antes, esses países não teriam chegado a dívidas tão altas”.
Pode ser, mas, se esse limite existisse antes, os países não poderiam ter feito
as políticas fiscais e monetárias necessárias para salvar o mundo da crise de
2008. Essa teria sido muito pior do que a Depressão dos anos 30 e a economia
mundial teria caído mais de 50%. A importância dos mercados financeiros
globalizados para a economia mundial era em 2008 muito maior do que em 1929 e
as bolhas muito maiores. Se hoje já ficamos preocupados com as guerras,
terrorismo, pobreza, genocídios, migração em massa, não sabemos o que restaria
da civilização se o PIB global caísse mais de 50% em poucos anos. Não
acreditamos que esse seja um bom preço a pagar para cumprir uma meta
contábil-legal. Se não é bom para as grandes potências, pode ser bom para o
Brasil?
Acreditamos
que o autor da proposta concorda conosco. Por isso, ele fez várias regras para
flexibilizar o torniquete da restrição de endividamento e ainda fez a ressalva
que pode ser resumida na seguinte proposição: se o governo no futuro achar o
limite estreito, poderá pedir ao Congresso para ampliá-lo. Em outras palavras,
diz: ao menos assim o governo seria obrigado a se explicar ao congresso o
porquê do aumento do endividamento. Daí perguntamos: qual a razoabilidade
científica de um torniquete que, quando atinge seu limite, tem que ser
flexibilizado ou porque há crise econômica ou porque o governo tem boas razões
para pedir ao congresso? Ora, quando a situação econômica é de pujança as
receitas públicas crescem rapidamente, os juros são baixos e por isso a dívida
pública não ultrapassa o limite. Ele é atingindo exatamente na crise, onde, sabemos
que o limite precisa ser flexibilizado para que não ocorra um mal maior. Então
para que serve o limite?
Outro ponto
controverso é a escolha arbitrária do limite. Cabe perguntar por que o autor
escolheu o número 4,4 e não 3,3 ou 5,5, 6,6 ou 9,9? Faltou a explicação
científica para ter escolhido esse número. Sabemos apenas que 4,4 é bem abaixo
dos atuais 5,6. Ou seja, a lei entraria em vigor já com o Estado brasileiro em
descumprimento da meta.
Não existe
número ideal ou base científica que pudesse dar uma explicação razoável para
nenhum dos muitos limites de endividamento que os economistas conservadores
tentam sugerir para o endividamento público.
A experiência
Grega nos tem mostrado que limites de endividamento dados externamente ao poder
público democraticamente eleito responsável pela política econômica têm se
transformado em importante instrumento de chantagem sobre esse poder
democraticamente eleito.
Mas não
precisa de um poder internacional para que os limites de endividamento sejam
uma restrição e chantagem ao poder democrático, basta um modelo institucional
mal desenhado. No modelo institucional do presidencialismo de coalizão
brasileiro, os congressistas unidos em torno de suas lideranças têm bastante
poder sobre o que o Executivo pode ou não realizar. Porém, ao contrário do
parlamentarismo verdadeiro, eles não têm responsabilidade individual sobre o
que acontece no país, se ele está em crise ou não.
Pelo
contrário, involuntariamente, se beneficiam das crises de governabilidade. O
executivo é diretamente e facilmente responsabilizado por todos os problemas do
país. Se estamos em crise, o governo sofre com a baixa popularidade e não elege
sucessor. Pior, como existem os carbonários, pode até sofrer impedimento em
caso de popularidade muito baixa. Já os mandatos dos congressistas, na grande
maioria, pouco sofrem individualmente em termos materiais em caso de crises
políticas ou econômicas. No presidencialismo não existe uma penalidade ou
responsabilização objetiva para os parlamentares em caso de grave crise
econômica ou política.
O chefe do
Poder Executivo no parlamentarismo verdadeiro pode convocar novas eleições caso
o Congresso não lhe dê apoio. Isso é uma forma de responsabilizar o Congresso
em situações de crise. Aqui no Brasil é o contrário, quanto pior a crise,
quanto mais fragilizado é o Poder Executivo, mais ganham (involuntariamente) os
congressistas individualmente, mais poder de barganha eles têm para conseguir
aprovar projetos de lei contrários ao Poder Executivo ou mesmo à maioria da
sociedade, mais cargos e benesses podem exigir do governo e das empresas e
grupos de interesse em geral em troca do seu poder de voto. Em relação ao Poder
Judiciário, em especial suas casas mais políticas o STF, o TSE e o MPF, temos
uma lógica parecida, quando falta poder de liderança no Executivo. Dessa forma,
o modelo de organização do Estado no Brasil tende para a instabilidade e para a
dependência involuntária de um poder moderador externo ao Estado, que, no caso
brasileiro, é a grande mídia e que nem sempre aposta na estabilidade e na
governabilidade.
Na situação
atual, onde o Poder Executivo ainda tem três anos pela frente e já está
asfixiado por uma governabilidade restrita, uma baixa popularidade, conflitos
internos e crise econômica, mais uma restrição ao endividamento público – ainda
que tenha um longo horizonte de ajuste – é mais uma forma de constranger o
único poder no Brasil que possui responsabilidade de manter a estabilidade
política em favorecimento a poderes cujos membros não podem ser responsabilizados
pela instabilidade.
Sabemos que o
Senador Serra é um profissional e um intelectual responsável e jamais teria
esse tipo de intenção. Porém, nos preocupa a avalanche de prerrogativas que o
Congresso tem criado para impor constrangimentos ao Poder Executivo neste
momento de fraqueza da Presidenta Dilma, alguns dos quais apoiados pelo
Deputado Eduardo Cunha e pela oposição na Câmara dos Deputados.
No modelo de
Presidencialismo de coalizão brasileiro, esse tipo de constrangimento ao
executivo pode funcionar, à revelia das intenções dos autores, como o velho
método do patrimonialismo: criar dificuldades para vender facilidades. Os
custos das dificuldades recairão mais pesadamente sobre o executivo e apenas
difusamente sobre a instituição do Congresso Nacional. Sobre os parlamentares
individuais, que podem aproveitar oportunisticamente desse tipo de iniciativa,
pouco recai. E no caso, não adianta que o idealizador do constrangimento tenha
as melhores das intenções, cada parlamentar que pode usar seu voto como
“meio de chantagem” poderá distorcer os princípios da democracia e
agravar a crise econômica e de governabilidade. Praticamente sem custos
pessoais.
Sem negar a
culpa da Presidenta pelos próprios erros, desde que Eduardo Cunha foi eleito
Presidente da Câmara dos Deputados, por coincidência, tem desabado sobre a
presidente Dilma um monte de proposições legislativas, judiciais ou
fiscalizatórias que tem colocado ela sempre em posição de ter que barganhar
sobrevida e governabilidade, cabendo pouco espaço para propostas e debates
construtivos. Esse não é o papel do Congresso Nacional nem do Judiciário, mas é
uma tendência inexorável em caso de um Poder Executivo sem capacidade de
liderança e com a legitimidade abalada. O enfraquecimento político da
Presidenta Dilma abriu margem a toda sorte de constrangimentos legais que, se
continuarem sendo criados, em breve o Brasil estará ingovernável e, nesse caso,
há o risco de crises muitos mais graves, soluções autoritárias e até guerra
civil.
Ao falar isso,
não estamos eximindo a Presidenta da responsabilidade que teve de destruir a
própria popularidade em decorrência da rejeição do seu próprio programa de
governo em favor do programa do adversário e da crise econômica criada depois
da troca do seu Ministro da Fazenda. Mas acreditamos que restrições adicionais
à gestão de política econômica expansionista só tornam o governo mais refém de
um Congresso, cujos membros, por falta de prerrogativa constitucional, não tem
como ser responsabilizados pela crise econômica e política e que, portanto, são
tentados a aproveitar, se forem oportunistas, as crises para tentar aumentar
seu próprio poder de barganha e conquistar de uma vez suas ambições políticas
em cima do desmoronamento da economia do país, da política social e dos
serviços públicos.
Dessa forma,
se concordássemos com o mérito do projeto, sugeriríamos que este não seria um
bom momento para avançar esse tipo de iniciativa.
Mas
acreditamos que esse projeto possui problemas que nos obrigariam a votar
contrariamente mesmo se não estivéssemos no meio de uma grave crise política e
econômica. Aparentemente, as flexibilizações de prazo e circunstância previstas
no projeto amenizariam as restrições econômicas que o atual e o próximo governo
teriam em razão dos limites de endividamento. Mas há uma restrição menos
visível que o projeto não pode mudar. Sabemos pela experiência internacional
que os países podem ter dívidas públicas muito maiores do que a brasileira sem
nenhuma dificuldade de emitir dívida e sem qualquer constrangimento econômico
relevante. Porém, na presença de dispositivos legais, como o proposto no
projeto, que tenham como penalidade a proibição de “novas operações de
crédito”, o cenário é outro. Como os títulos de dívidas possuem prazos
longos, na perspectiva de que exista uma restrição legal a novas operações de
crédito, o risco de inadimplência da dívida pública aumenta muito, ao contrário
do que o projeto sugere. É um tiro pela culatra.
Um exemplo
óbvio são os EUA. Quando o Congresso dos EUA entrou em uma discussão de duas
semanas para decidir se aumentava o limite de endividamento do país, a empresa
de rating Standard and Poors decidiu pela primeira vez rebaixar o crédito dos
EUA. O incrível é que isso aconteceu depois que o limite já havia sido aumentado
e sem que tenha havido qualquer mudança econômica. A simples possibilidade de
limitação parlamentar de novas operações de crédito foi capaz de rebaixar o
rating dos EUA. Pois é óbvio que o impedimento legal a novas operações de
crédito torna o risco de inadimplência da dívida pública altíssimo, pois é
óbvio que é muito mais importante manter funcionando a máquina pública do que
pagar a dívida. Sem a máquina pública a sociedade moderna entraria no caos
completo.
Se existe um
dispositivo legal que cria a possibilidade de proibir novas operações de
crédito, ainda que seja daqui a 15 anos, você simplesmente leva às alturas o
risco de inadimplência dos títulos com prazos superiores a 15 anos. E com isso
gera um efeito em cadeia sobre toda estrutura da dívida pública, tornando-a
mais cara desde já. Qual seria o benefício disso?
Até agora já
vimos que o projeto pode impedir um país de sair de uma crise econômica grave,
pode prejudicar no Brasil a governabilidade do poder democrático responsável,
em prol de agentes oportunistas que ganham com a instabilidade política, e gera
um efeito imediato de redução do prazo e aumento do custo da dívida pública.
Mas os
problemas não se limitam a isso. A experiência internacional mostra que existe
uma enorme variedade de patamares de relação dívida/PIB, que em alguns casos é
superior a 200% do PIB, como no Japão, sem que isso leve a qualquer problema ou
limitação para as políticas monetária, cambial e fiscal.
Por aqui,
tentam dizer que uma dívida bruta de 67% ou líquida de 37% sejam catastróficas.
Em razão de quê? Dizem os “sábios” analistas consultados pelos jornais que é em
razão dos juros elevados. Ora, mas esses mesmos catastrofistas dizem que os
juros são altos porque a dívida é alta. Sim, é o cachorro correndo atrás do
rabo, um pensamento sofista circular: “a dívida é insustentável porque os
juros são altíssimos, e os juros são altíssimos porque a dívida é
insustentável”.
Ao ser
confrontada com tal proposição, qualquer criança que seja informada que há
países com dívidas que são 200% maiores do que a nossa e que lá os juros são de
0% ao ano, dirá que a solução para nosso dilema é reduzir os juros, pois, ao
serem reduzidos, a “dívida pequena que é insustentável por causa dos juros
muito elevados” deixa de ser “insustentável”. Isso não levaria a
aumento da inflação, especialmente se o governo usasse os vários instrumentos
de que dispõe para segurar a taxa de câmbio.
Segundo o
economista Pedro Rossi, “o único consenso entre os economistas é que não
há consenso quanto ao patamar ótimo da dívida pública”. Já entre os
“sábios” analistas de bancos que falam nos jornais, há total consenso que a
dívida pública deve ser a menor possível, desde que seja no Brasil. Nos EUA e
no Japão, pode ser muito maior do que o PIB sem problema. Se o Presidente no
mandato for FHC também não tem problema. Ele conseguiu multiplicar nossa dívida
pública de forma irresponsável, mesmo vendendo a maior parte do patrimônio
nacional com a justificativa de reduzir essa mesma dívida. Algo inacreditável.
Mas ele pode. Dilma não pode. Mesmo que a dívida líquida do setor público no
governo Dilma seja metade do que era no governo FHC.
Não
entendemos a razão dessas diferenças. Cientificamente falando, é claro.
Politicamente, entendemos que Dilma virou a Geni da direita, não em razão dos
seus erros, que aumentaram exponencialmente depois da troca de Ministro da
Fazenda, mas em razão dos seus acertos.
Todas as
críticas que fizemos até agora são válidas para as tentativas de impor limites
arbitrários sobre a dívida líquida. Impor limites arbitrários sobre a dívida
bruta, como pretende o projeto, é muito pior. Primeiro porque a dívida bruta é
um péssimo indicador para a dívida real do Estado, pois essa dívida pode ter
sido criada para construir patrimônio público, não afetando assim o patrimônio
líquido do Estado. Inclusive esse patrimônio público criado juntamente com a
dívida pode ter uma qualidade em termos de liquidez, segurança financeira e até
rentabilidade superior à dívida.
Esse é o caso
da maior parte da dívida bruta brasileira, que é apenas uma contrapartida do
aumento do patrimônio público basicamente em reservas cambiais e também em
empréstimos de bancos públicos, para viabilizar a manutenção dos investimentos
produtivos que fez com que a economia brasileira e a arrecadação de impostos
resistissem à grande crise de 2009 e à guerra econômica globlal que se seguiu.
Funcionou muito bem até final de 2012. O governo começou a recuar em 2013 em
razão da pressão política e da perda de convicções, mas ainda funcionou com
relativo sucesso até dezembro de 2014. Quando Levy começou a implantar suas
políticas de destruição do arcabouço de defesa da crise e da guerra econômica
global, tudo desabou, da economia à governabilidade.
O crescimento
da dívida bruta foi um fenômeno comum a todos os países depois da crise de
2008. O caso brasileiro foi um dos mais saudáveis. O país foi um dos poucos do
mundo que praticamente não aumentou a dívida líquida. Aumentou a dívida bruta
para compensar crescimento do patrimônio do Estado em reservas cambiais e em
empréstimos ao setor produtivo para realização de investimentos produtivos.
Se o país tem
um grande saldo comercial ou de investimentos no balanço de pagamentos, ele
acumula riqueza internacional, que precisa ser guardada em ativos denominados
em moeda internacional, dólar. Porém, ao acumular essa riqueza no Banco Central
através da compra de dólares, esse é obrigado a emitir dívida pública em
montantes parecidos com esse acúmulo de riqueza internacional. Isso acontece
porque o exportador que vendeu seu produto no exterior precisa pagar em reais
os trabalhadores, impostos e fornecedores e mesmo ele prefere guardar seu
dinheiro em reais. Ao oferecer seus dólares no mercado cambial para comprar
reais, ele faz o dólar se desvalorizar frente ao real. Dessa forma, obriga o
Banco Central a comprar dólares para manter o real competitivo. Assim, aumenta
a oferta de reais no mercado interno. Esses reais a mais na mão do exportador,
dos seus funcionários e fornecedores são aplicados nos bancos, que acabam
comprando dívida pública, o que tende a reduzir a taxa de juros. Para que isso
não aconteça, o BC lança novas dívidas para elevar a taxa de juros até que essa
alcance novamente a meta SELIC.
Ou seja, o
aumento de nossa riqueza internacional no Banco Central leva a um aumento
equivalente em nossa dívida pública. Mas isso não é ruim, pelo contrário, é
muito bom. A China é uma potência mundial respeitada em grande parte por causa
do elevado valor de suas reservas cambiais. O Brasil também, só passou a ser um
país realmente respeitado quando se viu imune a crises internacionais em razão
do elevado volume de reservas cambiais acumulado no segundo mandato do governo
Lula. Foi naquele momento que o Brasil virou moda no mundo todo. Desde então, o
país não depende mais dos humores do mercado internacional, do FMI, para lhe
dizer o que fazer. As reservas internacionais nos dão soberania econômica. Parte
significativa da dívida bruta decorre da necessidade soberana termos reservas
cambiais substantivas. O projeto, ao limitar o tamanho da dívida bruta, está de
fato limitando nossa soberania econômica ao limitar o tamanho de nossas
reservas. A recessão deste ano de 2015 não decorre de nossa dependência
financeira real em relação aos mercados internacionais, mas da recessão criada
internamente pelo dogmatismo cego do Ministro da Fazenda e do Banco Central.
Nesse sentido, levando em conta que quase metade da nossa dívida bruta é uma
contrapartida para o aumento da nossa riqueza internacional no Banco Central, o
projeto é também um atentado a nossa soberania econômica.
O que importa
é a dívida líquida e esta é pequena no Brasil em razão do elevado estoque de
reservas cambiais. Todavia, por causa dos juros incompreensivelmente elevados,
os mesmos neoliberais que defendem esses juros absurdos, dizem que nossas
reservas são caras, pois renderiam apenas juros internacionais, que são
civilizados. Mesmo desconsiderando a hipocrisia desse argumento, não podemos
deixar de lembrar que ele também é falso.
Desde o
início do primeiro mandato da Dilma, quando as reservas se aproximaram do ponto
máximo, o rendimento médio dessas reservas tem sido significativamente superior
ao rendimento da Selic, mais precisamente, as reservas cambiais renderam entre
1º de janeiro de 2011 e 31 de outubro de 2015 44% a mais do que a Selic
acumulada. Considerando a taxa de juros média das reservas cambiais
brasileiras, as reservas renderam quase 50% mais do que a Selic. Um
investimento espetacular para o povo brasileiro, que não seria possível se
vigorasse o projeto.
Se vigorasse
tal projeto também não seria possível usar os bancos públicos para suprir a
falta de crédito e manter o investimento em momentos de crise financeira. Mas
mesmo na ausência de crise financeira o projeto é recessivo. Segundo o
Professor Pedro Paulo Zaluth2 , em teoria, o projeto exige austeridade
institucionalizada apenas depois dos primeiros cinco anos. Porém, depois desse
período, superávit primário requerido a partir de 2020, dependendo da taxa de
juros, tende a ser maior do que 5%, provavelmente maior do que 6%. Seria um
ajuste catastrófico a la grega. Considerando que o mercado terá que antecipar
essa situação e seus riscos políticos embutidos, o governo será obrigado a
começar desde já ao esforço de ajuste. Aliás, já estamos nele! Assim, teríamos
provavelmente 15 anos de recessão.
Cabe lembrar
que esses juros não seriam menores em razão do projeto, pelo contrário, tendem
a ser maiores, pois o risco do governo não conseguir fazer o ajuste prolongado
de 15 anos do projeto não seria pequeno e isso implicaria segundo o próprio
projeto em proibição de novas operações de crédito pelo governo. Ora, em uma
circunstância como essa, o governo certamente será obrigado a deixar de pagar
sua dívida pública para poder manter em funcionamento a máquina pública e os
serviços públicos básicos. Como o mercado não é bobo, desde a aprovação do
projeto, as taxas de juros sobre os títulos de longo prazo sofreriam grande
aumento. O governo seria desde já obrigado a reduzir o prazo médio da dívida
pública e aumentar o custo médio dessa dívida. Ou seja, ela teria um efeito
imediato e direto inverso ao que se propõe.
Levando em
consideração todas essas reflexões, propomos a rejeição do projeto e pedimos
que nossos colegas estudem a fundo as possíveis consequências, que podem ser
muito mais graves do que aparentam à primeira vista.
* Respectivamente Senadores pelo
Paraná e pelo Rio de Janeiro