Notícias

Geral

ARTIGO: O inacreditável Estado não subsidiário brasileiro

31/05/2021

O Estado subsidiário promove intervenções somente nos casos em que a própria sociedade ou indivíduo não consegue resolver por conta própria determinado problema

*Gabriel Souza

No ano passado, o presidente da República, Jair Bolsonaro, enviou ao Congresso Nacional a PEC 32/2020 que, entre outras questões, propunha alterar o artigo 37 da Constituição Federal e incluir, entre os princípios que regem a Administração pública no Brasil, o princípio da subsidiariedade. Deixemos o próprio ministro da Economia, Paulo Guedes, explicar do que se trata tal princípio, em excerto da justificativa da PEC do Poder Executivo: “O princípio da subsidiariedade está associado com a valorização do indivíduo e das instâncias mais próximas a ele, prestigiando sua autonomia e sua liberdade. Tal princípio, historicamente consolidado, visa a garantir que as questões sociais sejam sempre resolvidas de maneira mais próxima ao indivíduo-comunidade, e só subsidiariamente pelos entes de maior abrangência, ressaltando, no âmbito da administração pública, o caráter do federalismo”.

Ou seja, o Estado subsidiário promove intervenções somente nos casos em que a própria sociedade ou indivíduo não consegue resolver por conta própria determinado problema. Não se trata do Estado Mínimo, que define restritivamente o escopo de ações do Estado e, ao mesmo tempo, diferencia-se do Estado Máximo, que apregoa a intervenção estatal em diversas áreas da economia e da sociedade.

Basicamente, a subsidiariedade age em duas dimensões, a saber: a) na relação entre os entes federados, incentivando a atuação do ente imediatamente mais próximo do problema, e acionando o ente mais distante somente em casos de impossibilidade de resolução pelo anterior (a União Europeia rege-se por tal princípio, nesse prisma) e b) na relação Estado-sociedade, de forma a intervir caso a própria (considera-se, inicialmente, o indivíduo e, progressivamente, o coletivo dos mesmos) não obtenha sucesso na busca de resolução de determinado problema.

Essa concepção é, a meu ver, a base principiológica do Estado Necessário — ou Subsidiário — que busca preservar a importância da existência do ente estatal no século 21, sem desconsiderar as novas formas de organização social e econômica advindas da atual fase do capitalismo. Eis que, neste momento de pandemia, encontramos um gigantesco exemplo da aplicação do princípio da subsidiariedade. Naturalmente, com a queda da atividade econômica — com ou sem restrições de seu funcionamento pelo Estado — há retração do investimento, aumento da inflação de vários produtos, queda da renda e aumento do desemprego. Em um país cuja economia é baseada na informalidade, o problema é ainda maior.

Exatamente por isso que o Estado deveria subsidiar a economia. Aliás, não existe, em nenhum país sério do mundo, o enfrentamento da pandemia sem subsídio compatível com a queda da atividade econômica. Fui relator da Lei de Responsabilidade Fiscal estadual no Rio Grande do Sul, proposta pelo governador José Ivo Sartori, portanto, sou conhecedor e defensor da importância do equilíbrio fiscal nas contas públicas. Aliás, tal equilíbrio deve existir em tempos ordinários exatamente para que o Tesouro faça frente nos tempos extraordinários, como o que vivemos. Ainda, o custo fiscal no pós-pandemia certamente será muito maior caso não subsidiemos a economia no transpandemia, sem desconsiderar o custo social, pois o grande número de falências de empresas e o aumento exponencial do desemprego resultarão em miséria, pobreza, violência, desigualdade social e, infelizmente, mais mortes.

Se pela dimensão da relação Estado-sociedade é nítida a necessária intervenção estatal nesse momento, na dimensão federativa, não há dúvidas que tal ação deve advir da União. Isso porque, no Brasil, ela é o único ente federado com capacidade fiscal para tanto, além de ser tarefa típica do Ente nacional na nossa Federação (arts. 21 e 22 da CF). Portanto, não compreendo os motivos de um governo que defendeu a inclusão, na Carta Magna, do princípio da subsidiariedade como instrumento norteador da Administração pública brasileira, se negar a agir nesse momento de necessária intervenção subsidiária do Estado. Tal negativa, que gera uma inacreditável inércia frente ao estrondoso problema que enfrentamos, resulta em um Estado não-subsidiário que produz um desastre anunciado ao condenar — seja lá por quais motivos — um país inteiro ao atraso e ao subdesenvolvimento.

*Deputado Estadual, Presidente da Assembleia Legislativa do Estado do Rio Grande do Sul e membro do Conselho Curador da Fundação Ulysses Guimarães