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ARTIGO: REFLEXÕES SOBRE A BASE PRINCIPIOLÓGICA DO CENTRO NO ESPECTRO DA POLÍTICA BRASILEIRA DO SÉCULO XXI

26/04/2021

Gabriel Souza[1]

Michael Di Giacomo[2]

  1. Introdução

Há algum tempo o cenário político nacional tem sido marcado por uma retórica a evidenciar que a sociedade brasileira deve estar apartada a partir da divisão entre o “nós” e o “eles”. Tanto os governos petistas quanto o governo Bolsonaro, trabalharam para promover tal narrativa maniqueísta. Em comum, no que se refere aos protagonistas desse embate político-ideológico, tanto à esquerda, quanto à direita, tem-se a necessidade da construção de um antagonista.

Nesse contexto, a depender do espectro ideológico a que se está alocado, o discurso pode mudar, sendo que o “nós” e o “eles” surgem como sujeitos indefinidos, que ninguém sabe exatamente quem são, mas, na maior parte das vezes, na lógica maniqueísta, são colocados como “inimigos” do povo. — um elemento historicamente presente nos diversos populismos, articulados em torno de uma narrativa a partir da qual “o povo”, em uma definição abstrata, é oprimido ou explorado ou mal compreendido pelas “elites” — sejalá o que isso possa significar.

A referida premissa nos leva aos seguintes questionamentos: qual é a resposta que o sistema político brasileiro dará ao modelo de antagonismo presente no limiar do século XXI? E qual o papel do MDB nesse cenário?

É fato que a democracia liberal, a partir do dissenso, oportuniza aos seus protagonistas uma esfera dialógica a privilegiar o encontro de consensos, a ampliar a dinâmica e o fortalecimento do próprio sistema democrático. Esse processo deveria, inclusive, retroalimentar a democracia liberal e suas instituições.

No entanto, quando a cena política se torna um ambiente de extremos ideológicos é que se tem ainda mais aguda a tarefa de propormos um debate que propicie a construção de caminhos de consensos, aumentando a responsabilidade dos políticos moderados em promover um diálogo a propor políticas públicas viáveis que visem o bem-estar da cidadania, o desenvolvimento econômico e a justiça social.

É sob essa perspectiva que o MDB consolida sua atuação no centro do espectro político-ideológico, como ponto de equilíbrio, um elo entre a sociedade civil e os agentes tomadores de decisão. Com efeito, é nossa responsabilidade promover um diálogo propositivo e contemporâneo, com atenção ao que se pode denominar da transição de um ambiente democrático “analógico” para um ambiente democrático “digital”. Estado oriundo do século passado para o tempo hodierno.

Desse modo, a partir de uma agenda forjada no respeito ao Estado de Direito, à democracia, na defesa dos direitos fundamentais de cada cidadão e cidadã, sem extremismos ou intransigências, torna-se imperioso que identifiquemos os gargalos estruturais e sociais a serem enfrentados no encontro de soluções para uma nação próspera e pujante.

E, para tanto, é preciso que consigamos compreender o tempo em que vivemos e as diversas nuances que nos trouxeram até aqui. Sobretudo, tornar-se-á possível aferir o nosso sistema político e os motivos pelos quais, de tempos em tempos, não se consegue responder a contento as demandas sociais em nosso país.

De forma breve, é de consignar que no século XX o Estado consolidou-se a partir de um maior protagonismo na promoção do que se compreende à tentativa de concretização da igualdade substancial entre os indivíduos. Ou seja, no anoitecer do século XIX, demandou-se maior participação do ente estatal nos assuntos sociais.

Ao assumir inúmeras responsabilidades de fundo administrativas, sociais e econômicas, restou constatado uma maior concentração de competências e prestações de serviços na configuração do Estado Social em contraponto ao Estado Liberal. Fato que, certamente, a seu tempo, buscou atender às inúmeras demandas sociais que clamavam por respeito à dignidade do ser humano.

Contudo, percebe-se que o Estado, a partir da sua evolução histórica, sofreu transformações nas searas política, comunitária, internacional e social. Por certo, o não acompanhamento dessas mudanças, por parte do extrato institucional, é causa a fundamentar diversos tipos de contestações oriundas de uma sociedade contemporânea que resta impactada pelas transformações tecnológicas e econômicas.

O resultado, presente no nosso dia a dia, é que a dimensão social do Estado que conhecemos está assimétrica com a atual fase do capitalismo. E, desta forma, resta a produzir crises no modelo estatal, tais como a crise fiscal e, também, da democracia liberal em si.

Por consequência, a insatisfação social é exteriorizada quando se nota um desgaste dos partidos políticos tradicionais, o que alimenta o surgimento de líderes populistas a reverberar esse descontentamento com a construção de pautas políticas extremistas.

Nesta cognição, a par de que a sociedade não é estanque, evidentemente, o ente estatal deve seguir os avanços e transformações sociais, políticas e econômicas, no encontro da eficiência na prestação das demandas de interesse coletivo.

Por certo, urge encontrar o ponto de equilíbrio nessa transição social de um modelo de Estado, fundado no século passado, o qual teve por objeto atenuar os impactos do capitalismo sobre o coletivo social, tais como políticas públicas de saúde, previdenciárias, de acesso à educação, entre outras, de igual importância.

Todavia, atualmente, esse modelo não consegue atender de forma satisfatória o conjunto da população, em um tempo em que o capitalismo de bens compartilhados, serviços e alta tecnologia a todo instante faz surgir novas profissões, meios diversos de ensino e aprendizagem e uma geração conectada, com amplo acesso à informação, entre tantas outras novas realidades.

Com efeito, a partir de um viés de unidade das forças políticas moderadas, sob a perspectiva de cooperação entre todos, é que devemos pensar o Estado nesse novo século e sua relação com a sociedade civil. Ou seja, a forma de ir ao encontro da satisfação social, a resultar em uma convivência pacífica e benéfica à cidadania, em que os diversos instrumentos, para que as pessoas tenham uma vida minimamente digna, estejam verdadeiramente à sua disposição.

2. Princípio da Subsidiariedade: marco teórico para o Estado Necessário.

Seguramente, na presente análise, cabe aprofundar com um pouco mais de acuidade o papel do Estado em nosso meio, enquanto ente jurídico-político abstrato que rege a vida em sociedade, e o reflexo na formação da nossa consciência enquanto cidadãos.

De forma breve, é de consignar que no século XX o Estado consolidou-se a partir de um maior protagonismo na promoção do que se compreende em relação à concretização da igualdade substancial entre os indivíduos.

Ao assumir inúmeras responsabilidades de fundo administrativas, sociais e econômicas, restou constatado uma maior concentração de competências e prestações de serviços na configuração do Estado Social em contraponto ao Estado Liberal. Fato que, certamente, a seu tempo, atendeu às inúmeras demandas sociais que clamavam por respeito à dignidade do Ser humano.

Contudo, percebe-se que o Estado, a partir da sua evolução histórica, sofreu transformações nas searas política, comunitária, internacional e social. Por certo, o não acompanhamento dessas mudanças, por parte do extrato institucional, é causa a fundamentar diversos tipos de contestações oriundas de uma sociedade contemporânea que resta impactada pelas transformações tecnológicas e econômicas.

O resultado, presente no nosso dia a dia, é que a dimensão social do Estado que conhecemos está assimétrica com a atual fase do capitalismo. E, desta forma, resta a produzir crises no modelo estatal, tais como a crise fiscal e, também, da democracia liberal em si.

Por consequência, a insatisfação social é exteriorizada quando se nota um desgaste dos partidos políticos tradicionais, o que alimenta o surgimento de líderes populistas a reverberar esse descontentamento com a construção de pautas políticas extremistas.

Nesta cognição, a par de que a sociedade não é estanque, evidentemente, o ente estatal deve seguir os avanços e transformações sociais, políticas e econômicas, no encontro da eficiência na prestação das demandas de interesse coletivo.

Por certo, urge encontrar o ponto de equilíbrio nessa transição social de um modelo de Estado, fundado no século passado, o qual teve por objeto atenuar os impactos do capitalismo sobre o coletivo social, tais como políticas públicas de saúde, previdenciárias, de acesso à educação, entre outras, de igual importância.

Todavia, atualmente, esse modelo não consegue atender de forma satisfatória o conjunto da população, em um tempo onde o capitalismo de compartilhamento a todo instante faz surgir novas profissões, meios diversos de ensino e aprendizagem e uma geração conectada, com amplo acesso à informação, entre tantas outras novas realidades.

Com efeito, a partir de um viés de unidade das forças políticas moderadas, sob a perspectiva de cooperação entre todos e todas, é que devemos pensar o Estado nesse novo século e sua relação com a sociedade civil. Ou seja, a forma de ir ao encontro da satisfação social, a resultar em uma convivência pacífica e benéfica à cidadania, em que os diversos instrumentos, para que as pessoas tenham uma vida minimamente digna, estejam verdadeiramente à sua disposição.

Basicamente, a subsidiariedade age em duas dimensões, a saber: a) na relação entre os entes federados, incentivando a atuação do ente imediatamente mais próximo do problema, e acionando o ente mais distante somente em casos de impossibilidade de resolução pelo anterior; b) na relação Estado-economia, de forma a intervir caso a própria (considera-se, inicialmente, o indivíduo e, progressivamente, o coletivo dos mesmos) não obtenha sucesso na busca de resolução de determinado problema.A resposta, inicialmente, pode ser obtida a partir de uma análise do nosso arranjo federativo, consagrado na Constituição Cidadã, e que tem por fundo a reordenação das competências estatais sob um viés de subsidiariedade, a alcançar uma ideia comunitária de sociedade.

No que se refere à relação federativa, oO referido contexto pode muito bem ser ilustrado por meio da ordem de competências dos entes federados, tanto ao nível central, como regional e local, no qual foi conferido aos municípios novas responsabilidades político-administrativas a culminar com a descentralização do exercício do poder estatal ao instituir um novo modelo de Pacto Federativo. Tal princípio busca fortalecer o ente municipal — mais próximo do indivíduo — na relação federativa, o que, aliás, é defendido desde muito tempo pelo MDB.

No que se refere àa ordem econômica tem-se presente o equilíbrio entre o Estado intervencionista e a livre iniciativa, ao erigir para o ente estatal a tarefa de assumir a condição de membro necessário, não limitador, no desenvolvimento e na ideia da promoção do bem comum, a permear a consolidação de um Estado “subsidiário”:

A ideia do Estado Subsidiário, segundo Maria Sylvia Zanella Di Pietro, inspira-se na globalização e na chamada Reforma do Estado, baseando-se, fundamentalmente, no princípio da subsidiariedade, formulado pela Doutrina Social da Igreja a partir de fins do século XIX, e que agora “assume importância fundamental na definição do papel do Estado”. Esse princípio compacta duas ideias fundamentais, segundo essa autora: de um lado, a de que o Estado deve respeitar os direitos individuais, pelo reconhecimento de que a iniciativa privada, seja através dos indivíduos, seja através das associações, tem primazia sobre a iniciativa estatal; em consonância com essa ideia, o Estado deve abster-se de exercer atividades que o particular tem condições de exercer por sua própria iniciativa e com seus próprios recursos, em consequência, o princípio implica uma limitação à intervenção estatal. De outro lado, “a ideia de que o Estado deve fomentar, coordenar, fiscalizar a iniciativa privada, de tal modo a permitir aos particulares, sempre que possível, o sucesso na condenação de seus empreendimentos”. (GUNTHER; SANTOS, 2017, p. 28)

Portanto, a partir da compreensão do princípio da subsidiariedade como elemento da atuação estatal na atividade econômica, consolida-se uma situação de complementariedade e colaboração, onde o Estado assume uma posição de atuação quando for necessário para o bem comum, a cessar quando o indivíduo ou a sociedade encontrar meios próprios de resolução de suas demandas.

Com efeito, o Estado subsidiário toma forma apoiado em outros princípios igualmente importantes. Em sede de ilustração, tem-se, por exemplo, a descentralização, com a ampliação da liberdade de atuação e das funções dos indivíduos e das organizações, na qual, o ente público somente transferirá competências as quais os entes sociais apresentem capacidade de exercer.

Ainda, o dever de fomentar, colaborar e fiscalizar a iniciativa privada com o intento de que os propósitos empreendedores sejam alcançados. E, também, o encontro de parcerias entre os setores públicos e privados, sob um processo de maior responsabilidade na execução e realização de ações que visem o desenvolvimento econômico sustentável.

De modo algum o conceito de subsidiariedade deve ser confundido com o Estado mínimo, o qual define restritivamente o escopo de ações do Estado, ao tempo que também se diferencia do Estado máximo, que pugna pela intervenção estatal em diversas áreas da economia e da sociedade.

A sua implantação, na verdade, é a simbiose da importância da existência do ente estatal, a considerar as novas formas de organização social e econômica surgidas em meio ao capitalismo do século XXI.

Um modelo de Estado que possa verdadeiramente atender aos direitos fundamentais das pessoas em áreas capitais como a saúde, a educação, a segurança, entre outras de mesma envergadura, no encontro da justiça social e do desenvolvimento como liberdade.

Em uma análise mais apurada, é de gizar que o princípio da subsidiariedade não restringe a ação do Estado no encontro do bem comum, razão do seu próprio existir. Do mesmo modo, não restringe a função de intervir na ordem econômica e social com primazia a atender o interesse coletivo e, também, de coordenar ações participativas, sob a ideia de que todos e todas possam usufruir da percepção dos frutos advindos de tal esforço.

Subtrai-se desse raciocínio que o princípio da subsidiariedade é, ao fim, a base principiológica para o Estado Necessário, nem mínimo, nem máximo e, nesta senda, o modelo de ente estatal a ser perseguido por programas políticos centristas e moderados, em consonância com o disposto na conjuntura hodierna do século XXI.

Ou seja, o princípio da subsidiariedade revela-se um princípio de centro na mais verdadeira acepção: a partir dele, rejeita-se qualquer dogmatismo a priori, preso em exigências abstratas e incondicionadas de mais/menos Estado; a verdadeira resposta, de uma posição verdadeiramente ao centrodo espectro político, será a de responder às circunstâncias concretas: menos Estado onde ele não é necessário e onde sua interferência for indevida, mais Estado onde ele deve atuar precisamente para garantir a prevalência das conquistas consagradas pela tradição do liberalismo democrático. Não se pode perder de vista a limitação do poder — um princípio liberal por excelência — , mas não se pode tampouco perder de vista a ideia de que o exercício do poder é condição de possibilidade para a coordenação social em uma comunidade política, devendo ser, portanto, temperado e distribuído de acordo com um princípio a partir do qual o Estado responde às circunstâncias em que demandado, na justa proporção e medida.

3. Princípio da Diferença: uma sociedade livre, que utiliza o respeito da diferença entre indivíduos para valorizar o Ser humano.

Iniciemos observando os dois princípios de justiça descritos pelo filósofo John Rawls:

Cada pessoa tem um direito igual a um sistema plenamente adequado de direitos e liberdades iguais, sistema esse que deve ser compatível com um sistema similar para todos. E, nesse sistema, as liberdades políticas, e somente essas liberdades, devem ter seu valor equitativo garantido.

As desigualdades sociais e econômicas devem satisfazer duas exigências: em primeiro lugar, devem estar vinculadas a posições e cargos abertos a todos em condições de igualdade equitativa de oportunidades; em segundo lugar, devem se estabelecer para o maior benefício possível dos membros menos privilegiados da sociedade. (RAWLS, 2011, p. 6)

Será necessário neutralizar os efeitos das contingências sociais, no que se refere à igualdade de oportunidades às pessoas. No caso, , conforme John Rawls, deve-se garantir que não ocorram distinções entre as pessoas na distribuição de direitos e deveres básicos, indo ao encontro de políticas públicas a equilibrar reivindicações de interesses concorrentes, a fim de propiciar a equitativa distribuição de renda e riqueza na base social.

Destaca-se, na ideia de Rawls, que a aferição das desigualdades sociais e econômicas nos leva à constatação da realidade em que há indivíduos pertencentes a classes sociais desfavorecidas, que tem se deparam com elementos sociais e econômicos desfavoráveis menos sorte no decorrer da vida, ou mesmo, menos dotação natural para determinada habilidade, e, portanto, encontram-se em posições desiguais de oportunidades.

Por isso, faz-se imperioso preencher a lacuna distributiva existente na economia do bem-estar, de forma a garantir não somente a eficiência econômica, mas, também, a justiça equitativa. Dessa maneira, tornar-se-á possível resguardar o valor humano de cada pessoa, protegendo suas liberdades básicas e propiciando melhorias sociais.

Tal premissa é importante, já que o Estado se proporia a subsidiar a liberdade dos indivíduos para o pleno exercício do desenvolvimento humano. Não se busca, aqui, uma sociedade igual através modelo interventivo estatal que vise meramente redistribuir renda e bens entre os cidadãos através da expropriação ou algo que o valha; mas sim uma sociedade livre, que respeite a propriedade privada e, ao mesmo tempo,que valorize o Sser humano exatamente respeitando a diferença entre os próprios. Ou seja, admite-se a desigualdade desde que a mesma seja utilizada para subsidiar os menos favorecidos a buscarem sua dignidade.

Fundamentalmente, o que se quer dizer é que, a partir de um posicionamento ao centro, os cidadãos são, por natureza, e devem ser, por convenção, livres para conceberem e perseguirem seus próprios fins a partir de suas próprias concepções de bem — sempre em respeito aos limites morais que a própria vida em sociedade impõe. Nem um igualitarismo raso que rebaixa a todos igualmente, distribuindo de forma puramente equitativa mas sem critérios ou nuances, nem uma meritocracia tida de maneira tão abstrata que degrada a própria ideia de meritocracia: igualdade de oportunidades, para que os cidadãos tenham as condições mínimas para um exercício adequado do pluralismo e da pluralidade que marca as sociedades na tradição política ocidental.

4. Princípio do Reformismo: o Estado deve estar simétrico com a sociedade e com o sistema econômico do seu tempo.

Sob um olhar histórico, o Estado tem sofrido reformas à cada grande transformação econômica e social. Nesta senda, o Estado buscou se modelar para se adaptar às mudanças no sistema econômico de sua época, já que as mesmas promovem alterações no comportamento humano e, consequentemente, na expectativa dos indivíduos em relação ao modelo de Estado disposto. Tais alterações, ao longo da história,foram promovidas através de importantes reformas que culminavam com um ente estatal o mais simétrico possível com os desafios socioeconômicos que se apresentavam.

Dessa forma, as grandes e profundas transformações tecnológicas e econômicas ocorridas no século XXI impactaram severamente a humanidade, resultando em diversas alterações no seu comportamento. Tais transformações produziram impactos político, social e econômico, o que leva a dois problemas relevantes e causadores da crise da democracia liberal, quais sejam: 1) o capitalismo mudou de fase, passando de um sistema econômico industrial para um sistema econômico de bens compartilhados e serviços de alta tecnologia em um mundo globalizado, o que produziu nova assimetria devido à dimensão social do Estado estar preparada para atuar em uma economia menos dinâmica, o que gerou estagnação da renda e aumento da desigualdade social, impactando severamente as classes menos favorecidas da sociedade; 2) as pessoas passaram a comunicar-se de maneira instantânea e em escala global a partir das novas tecnologias, expondo insatisfações que antes eram limitadas pela impossibilidade material de fazê-las, produzindo um ambiente propício para a desinformação e a consolidação da pós-verdade, mormente no que tange aos questionamentos ao modelo estatal vigente. O crescimento do nacionalismo e das intolerâncias racial, religiosa e política parece ter advindo desses fenômenos; usualmente nota-se uma insatisfação por motivo da falta de perspectiva de prosperidade material e de uma desatualização do Estado para manejar as novas demandas sociais do século XXI, inclusive no que diz respeito à sua capacidade de comunicação e seu tempo de respostas.

Infere-se, nessa perspectiva, que o Estado internalize de forma robusta as transformações advindas dos avanços tecnológicos em nosso meio, os quais alteraram as formas de relacionamento em muitos segmentos sociais, como a economia, a cultura, educação, a política, as formas de participação social, a agenda dos governos, entre outros.

É de considerar que as comunicações interpessoais e também entre as nações, por meio das denominadas plataformas digitais, tem enorme importância nesse contexto, pois, de um modo já mais vivenciado pela civilização humana, caracterizam-se pela disseminação de conteúdo em tempo real.,

Por conseguinte, mesmo que as pessoas residam em uma pequena cidade do interior, são inúmeros os meios disponíveis de acesso à informação, os quais mudaram substancialmente o modo como elas se relacionam com seus representantes políticos nos três âmbitos da federação.

Por certo, a esfera dialógica digital, no sentido de tornar a cada dia mais constante a participação da cidadania nas decisões políticas, também pode contribuir para que possamos aperfeiçoar e vencer limitações da democracia representativa.

No caso, um ativismo que não deve ocorrer somente no período eleitoral, pois, ao explorarmos objetivamente esse universo de possibilidades comunicacionais, com a abertura consistente de canais institucionais, a consubstanciar um forte elo entre os agentes políticos e a sociedade civil, teremos uma maior amplitude da qualidade do sistema democrático.

Seguramente, sob um contexto tecnológico transformador, são muitos os desafios a serem respondidos pelo Estado a esse coletivo social profundamente conectado. No que se refere à Administração Pública, torna-se imperioso dominar de forma plena os meios digitais, tais como: Inteligência Artificial, Big Data e Data Science e aplicá-los na melhoria da prestação dos serviços públicos.

E, sob um mundo de mudanças constantes, a capacidade crítica e cognitiva de cada pessoa deve ser permanentemente incentivada, a partir de um ambiente educacional inovador e pretenso a colaborar para que se possa extrair o máximo sentido das informações e do conhecimento à disposição.

Nota-se, dado o exposto, que uma agenda reformista do Estado deve ser empreendida para atualizá-lo com os anseios sociais hodiernos, bem como manter legítima sua existência, na medida que deixa de ser questionado pelos indivíduos, ao passo que atende as expectativas atualizadas da sociedade que pretende governar. Esse, certamente, é um dos principais caminhos para que o uso das informações no ambiente virtual possa ser realizado de forma adequada e não como instrumento de disseminação de discurso de ódio, práticas de discriminação, rede de desinformação ou Fake News, que buscam influenciar, inclusive, o nosso ambiente democrático.

A falta de atualização (reformas) do Estado ao cenário socioeconômico vigente, produz uma série de insatisfações na sociedade que, ao não perceber no Estado um ente legítimo, questiona sua existência, ao menos da forma concebida no tempo em questão. Tal fenda entre o sentimento de legitimidade do Estado com seus governados colabora para a aparição de movimentos populistas — por refutarem intermediários típicos da democracia liberal tais como o sistema de freios e contrapesos, a imprensa, a academia, etc. — adeptos de pseudo-soluções simplórias (a “língua do povo”) para problemas complexos. Eis mais uma grande responsabilidade dos partidos centristas que, nesse cenário, demonstram-se mais adaptados para efetivar as reformas necessárias para o Estado manter-se legítimo em qualquer tempo. Fukuyama, abordando a crise do modelo estatal hodierno, refletiu sobre a necessidade de constante atualização do modelo concebido:

Será que a existência da decadência política em democracias modernas significa que o modelo geral de um regime equilibrado entre Estado, lei e responsabilidade sofreu alguma falha fatal? Esta não é, de maneira nenhuma, minha conclusão: todas as sociedades, autoritárias e democráticas, estão sujeitas à decadência com o tempo. A verdadeira questão é sua capacidade de se adaptar e por fim se corrigir. (FUKUYAMA, 2018, n.p., grifo nosso)

É aqui, enfim, que o centro se revela como moderado por excelência: não basta dizer, abstratamente, que o centro aproveita as melhores lições de posições mais tradicionalmente voltadas à esquerda ou à direita: o ponto é que, em síntese, estar ao centro impõe a rejeição aos extremos. Nesse sentido, de um lado ou outro do espectro, o extremo pode ser tanto a revolução ou a disrupção completas — a rejeição absoluta da ordem vigente e a transformação social de forma abrupta e radical — quanto um total imobilismo — conservando sempre, sem nenhuma possibilidade de questionamento ou modificação, aquilo que já é dado.

A moderação do centro se revela no princípio do reformismo, sacralizada na formulação de Edmund Burke: “um Estado sem meios para mudar, não tem meios para se conservar. Sem esses meios, corre até mesmo o risco de perder aquela parte da constituição que com mais devoção desejaria conservar” (BURKE, 2014, p. 44). Nesta senda, importante gizar que o mais próximo do conservadorismo que chegaremos, será no sentido de manter vivo e atualizado o sistema político baseado na democracia liberal pois, do contrário, o próprio sistema entrará em ruína, justificando o princípio do reformismo enquanto dogma centrista.

5. Defesa da Democracia Liberal: Estado de Direito, pluralismo, liberdade e defesa dos direitos civis.

Inicialmente, cumpre-se abordar a questão do Estado de Direito e sua importância para o correto funcionamento da democracia liberal e, nesta senda, importante frisar a defesa de seu elemento fundante, baseado no império da lei (rule of law). Tal defesa é primordial para as garantias dos direitos fundamentais e do estabelecimento da democracia liberal no seio do Estado e da sociedade.

Sem o estabelecimento e a garantia do Estado de Direito, modelos estatais autocráticos costumam advir e, nesse sentido, atentam contra as garantias individuais laboriosamente conquistadas através do texto constitucional. Os ataques ao Estado de Direito, nessa quadra da história, costumam surgir sub-repticiamente de forma a gerar retrocessos institucionais e políticos de maneira progressiva e constante. É preciso estar alerta para isso.

Ainda, importante salientar que, no liberalismo político, há uma pacífica convivência das variadas doutrinas religiosas, filosóficas, políticas e morais que são conflitantes e irreconciliáveis. Ou seja, há liberdade para determinado indivíduo discordar do credo ou da ideologia de outrem, mas nem por isso haverá coação sobre o livre exercício, dentro do império da lei, das mesmas pelos cidadãos. O conservadorismo iliberal não tolera tal pluralismo. Isso porque ele é conservador — pretende manter o status quocultural e social — e é iliberal, não se sentindo confortável em assistir manifestações divergentes das suas, oriundas de outros indivíduos.

Os direitos civis, nesse cenário conservador iliberal, também sofrem abalos de ordem sub-reptícia, já que o conservadorismo iliberal prioriza a agenda dos “costumes” em contraponto às agendas reformistas. Um dos motivos é para se aproveitar da narrativa populista, sem intermediação e simplória, para atacar o modelo de Estado constitucional vigente (democracia liberal) e, em outra face, para evitar atualizar o Estado a tal ponto que ele se mantenha legítimo e desarticule a narrativa conservadora iliberal.

Tendo em vista o exposto, conclui-se que o centro é o campo político mais adequado para realizar a defesa da democracia liberal, já que, ao contrário dos extremos, consegue abarcar todos os princípios e elementos constituintes da mesma, bem como preocupa-se com a constante necessidade de atualização do modelo estatal vigente, para que o mesmo não seja questionado perante a sociedade a qual pretende governar.

6. Considerações finais

O presente ensaio busca apresentar uma proposta de base principiológica para o centro no Brasil, aqui focalizado na atuação política do MDB. Por obvio, não pretende ser algo definitivo, nem suscetível ao debate crítico de terceiros. Aliás, se propõe exatamente a isso.

Inicialmente se contextualizou o cenário político e econômico do século XXI, onde houve mudança de fase do capitalismo e uma assimetria entre a dimensão social do Estado — oriunda do século anterior — com o demandado pela sociedade. Consequentemente, produziu-se crises em que se notou contestações ao modelo estatal vigente; e o aproveitamento do ambiente tensionado por parte de alguns agrupamentos políticos para a ascensão de linhas radicalizadas e populistas.

Após, chegamos ao princípio que é a base do chamado Estado Necessário, ou aquilo que tentamos definir como algo localizado “entre o Estado mínimo e o máximo”. A subsidiariedade parece ser uma boa demarcação teórica sobre a atuação do ente estatal como agente regulador da vida em sociedade.

Não poderíamos deixar de abordar a questão da necessidade de simetrização entre o Estado e a sociedade e o sistema econômico hodiernos, levantando a tese do reformismo, ou seja, da necessidade de atualização constante do modelo estatal para performar com maior legitimidade na sociedade que pretende governar.

Nesta senda, impossível esquecer-se da problemática brasileira da desigualdade social e, em um contexto capitalista, admiti-la como consequência do sistema econômico vigente, porém, salientando que somente veremos justiça em uma desigualdade que promova a dignidade no ser humano. Daí o porquê a utilização do princípio da diferença de Rawls, ou seja, admite-se a diferença entre os indivíduos, mas busca-se a geração de oportunidades que criem um processo meritocrático verdadeiro e, assim, se aproveite a prosperidade material de uns para a garantia da dignidade de outros.

Outrossim, chega-se à defesa da democracia liberal, que pretende garantir a liberdade humana no contexto do Estado de Direito e da democracia. Concluindo que o centro é, de fato, o campo político mais adequado para defender esse modelo estatal.

7. Referências

BURKE, Edmund. Reflexões sobre a revolução na França. São Paulo: EDIPRO, 2014.

FUKUYAMA, Francis. Ordem e decadência política: da revolução industrial à globalização da democracia. Rio de Janeiro: Rocco, 2018.

GUNTHER, Luiz Eduardo; SANTOS, Willians Franklin Lira dos. A Encíclica Rerum Novarum e o princípio da subsidiariedade. Revista eletrônica [do] Tribunal Regional do Trabalho da 9ª Região, Curitiba, PR, v. 6, n. 59, p. 16–34, maio 2017.

RAWLS, John. O liberalismo po

[1] Presidente da Assembleia Legislativa do Rio Grande do Sul; membro do Conselho Curador da FUG; secretário-geral do MDB RS; primeiro secretário do MDB Nacional; foi presidente nacional da Juventude do MDB (2010–2013).

[2] Foi presidente da Juventude do MDB RS (2003–2005); assessor da Presidência da FUG (2008–2015) e Coordenador da Comissão de Constituição e Justiça na ALRGS (2015).