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Como vi nascer no brasil a equação do tripé econômico meta de inflação, câmbio flutuante e equilíbrio fiscal

25/09/2024

Por José Fogaça

É realmente uma maravilha quando os juros financeiros são baixos e permitem a expansão dos investimentos privados com baixo custo, nos mais variados setores da economia. As ofertas de emprego aumentam, o lucro das empresas cresce, os consumidores têm acesso a produtos mais baratos, o conjunto da economia passa a viver um ciclo extremamente virtuoso, sobem o PIB (importante) e a renda per capita (mais importante ainda). O exemplo da Coreia do Sul é um, entre tantos outros.

O único problema é que isso não vem apenas com uma decisão voluntariosa do governante: tentar implementar essas generosas e facilmente aplaudidas medidas, sem providenciar os prérequisitos concretos que elas exigem, acaba redundando, em pouco tempo, em descontrole da inflação e grave retrocesso econômico, contexto no qual a população de baixa renda é a primeira a pagar o pato.

Alcançar esse extraordinário momento positivo da economia só é possível com três ingredientes prévios indispensáveis:

1. que a capacidade instalada da economia e a qualificação da mão de obra correspondam à avalanche consumidora que ocorre quando os juros são baixos (se a capacidade produtiva imediata do país não consegue  corresponder ao aumento rápido da demanda gerado pelos juros baixos, o resultado é a inflação, o castigo dos mais pobres, e vai tudo por água abaixo);

2. que a política fiscal do governo seja equilibrada e não desastrosamente deficitária, que essa política fiscal seja capaz de gerar confiança nos investidores internos e externos, pois são eles que compram os títulos públicos do governo. E se esses investidores resolvem saltar fora com seus investimentos e destiná-los a outros países, nossa vaca vai pro brejo. Para voltar a atrair esses investimentos, dos quais dependem os ricos e os pobres do Brasil, só aumentando de novo a taxa de juros.

Quando Dilma Rousseff deixou o governo e Michel Temer assumiu a presidência, houve uma virada espontânea no comportamento desses investidores, que não acreditavam em Dilma, mas sabiam que Temer era basicamente merecedor de confiança, porque não cometeria os equívocos e as tropelias de sua antecessora. Com ela, o produto interno bruto havia caído 7% em dois anos. Bastou Temer assumir para que a roda dos investidores começasse imediatamente a rodar em sentido contrário: o PIB subiu 1%;

3. que a inflação esteja sob controle ou dentro da meta.

Como apregoou Pérsio Arida há 30 anos atrás (palavras que ouvi pessoalmente dele): “Os gastos que o governo promove com base exclusivamente no aumento do deficit público, visando fazer a economia crescer à força, não funcionam. É uma questão de diferentes velocidades”.

Explico eu: o relógio do consumo é sempre muito mais rápido que o relógio da produção nas economias em crise. A demanda cresce a jato e a produção privada de bens e serviços não consegue acompanhar, andando a passo de tartaruga. Resultado: os preços aumentam. Instala-se o ciclo vicioso da estagflação (economia estagnada e inflação crescente). A inflação acaba acelerando descontroladamente. A população empobrece. Presidentes da
República caem. Por impeachment ou golpe de Estado.

Estive no Congresso Nacional nos governos Sarney, Collor, Itamar e Fernando Henrique. Vi os erros que cometemos no Plano Cruzado (muito fácil de implantar, mas predestinado a não dar certo, já que o congelamento de preços só gera ocultamento de mercadorias e escassez). Como todo mundo sabe, o Plano Real se baseou essencialmente no tripé meta de inflação, câmbio flutuante e equilíbrio fiscal. Como assisti muito de perto, no dia
a dia, vivi as angústias daquele momento de tensão de um país inteiro e vivi as decisões tomadas a cada passo na área financeira do Governo. Fui o relator do Plano Real quando foi aprovado finalmente pelo Congresso Nacional.

Vi o filme da realidade brasileira passar diante de mim, cena por cena, até ser dado um ponto final a excruciantes 40 anos de inflação.

Posso dizer que o Plano Real só deu certo porque se baseou numa ampla série de medidas firmes e coerentes, como o equilíbrio das contas públicas, a extinção de todas as formas de correção monetária, a proibição de endividamento ilimitado dos Estados e Municípios, a liberdade e transparência de preços, pagamento da dívida externa, formação de lastro em dólares para garantir as importações indispensáveis ao país, câmbio flutuante, e a
autonomia, na prática, do Banco Central, mesmo sem a existência de uma legislação formal para isso.

Só para se ter uma ideia de como o Banco Central protege a moeda de um país, lembro a crise da dívida externa da Coreia do Sul de 1997, que levou os países mais importantes da Ásia a turbinarem em proporções absurdas suas taxas de juros. A Coreia chegou a um patamar de 40%. Isso obrigou o Banco Central do Brasil a uma elevação superior a 40% na taxa Selic. Os juros no Brasil foram à estratosfera, mas se essa providência não fosse tomada, o Brasil entraria num espiral falimentar sem precedentes. Foi a única forma de não ver os dólares voarem para fora do nosso país. A crise de confiança que atingiu os países da Ásia se transferiu para o Brasil e vimos
acontecer em menos de 24h uma fuga brutal de capital e uma enorme desvalorização de nossos ativos, com uma queda repentina das ações de empresas brasileiras nas bolsas de valores do mundo e do Brasil. Se não tivéssemos o instrumento da possibilidade de uma elevação brusca da taxa de juros, pela autonomia prática do Banco Central, não teríamos reserva em nossos cofres sequer para as mais básicas necessidades de importação, na área de alimentos, fertilizantes, energia. Com certeza uma parcela considerável da nossa população passaria por grande escassez e instabilidade alimentar, o que significa na verdade para não poucos, fome e sofrimento.

O que se vê hoje, depois da dura conquista viabilizada pelo Plano Real, é uma permanente tentativa de reproduzir “milagres de crescimento” como o de Juscelino Kubitscheck, com sonhos de progredir 50 anos em 5. Os anos de Juscelino foram fantásticos, obras formidáveis, Brasília, usinas hidroelétricas, indústria automobilística, euforia e autoconfiança, as taxas de crescimento econômico entre 1956 e 1961 chegaram, em média, a quase 8% ao ano. Juscelino gastou o que o Estado brasileiro tinha e o que não tinha. A tragédia estava sendo anunciada.

A hecatombe econômica inevitavelmente viria a galope, em poucos anos. A conta a pagar foi amarga: inflação crescente, renúncia de Jânio, inflação catastrófica, queda de Jango e golpe militar. Juscelino é adorado até hoje porque gastou o que o país não era capaz de produzir. Gerou uma inflação que durou longos 40 anos. Ninguém associa seu governo às consequências que deixou como herança. Infelizmente os olhos da nação só
enxergam o que é visível a olho nu. Jânio não teve capacidade para segurar as pontas, ficou só sete meses no cargo. João Goulart sucumbiu a uma inflação gigantesca que não controlava. O país ficou sob um governo militar e ausência de democracia por vinte anos. Duras lições, vividas por gerações não tão distantes no tempo, parecem não ter significado nenhum neste nosso Brasil dos últimos anos. A ambição do poder, única razão de ser do populismo, suplanta qualquer forma de memória, por mais viva e palpitante que seja.

Mas é importante que saibamos: a questão econômica não é uma questão menor. Ela escreve a história dos povos. Fernando Collor e Dilma Rousseff que o digam.

Autores José Fogaça