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FUG Entrevista: desafios e soluções para o futuro da inovação na gestão pública

11/09/2024

No cenário atual, onde as administrações públicas enfrentam restrições orçamentárias e processos burocráticos complexos, a inovação surge como uma solução tangível. Durante uma entrevista à Fundação Ulysses Guimarães (FUG) na oportunidade de sua palestra ao FUGLab, o professor Paulo Renato Ardenghi, especialista em inovação e transformação digital, compartilhou suas ideias sobre como a modernização da gestão pública pode ser adaptada para enfrentar esses desafios.

Na entrevista a seguir, o professor Ardenghi discute suas experiências no setor, abordando os desafios e conquistas do ecossistema de Porto Alegre (RS), onde atua como Head de Inovação na Prefeitura; as diferenças entre o setor público e privado na implementação de práticas inovadoras; tecnologias emergentes com maior impacto para a administração pública; além de apontar o papel da educação de servidores e da capacitação como chave para uma cultura de inovação sustentável.

Assista a palestra transmitda ao vivo no dia 12/9, pelo Youtube da @FUGNacional:

> Professor Ardenghi, como o conceito de inovação pode ser adaptado à gestão pública em um cenário de restrições orçamentárias e burocracia?

A inovação na gestão pública é a chave para trabalhar os dois dilemas que envolvem a questão de orçamento. A modernização através de novas tecnologias, através de novas soluções, vai permitir uma redução de alguns custos que as prefeituras têm, desde uma transição energética bem planejada, que permita, por exemplo, os prédios públicos utilizem energia solar e não possam economizar em luz, etc, a gestão de resíduos de lixo, por exemplo.

O lixo que a maioria das cidades paga um aterro, paga caminhão para recolher o lixo, leva no aterro, todo esse gasto pode se transformar numa grande oportunidade de construir usinas que convertem o lixo em energia, em biocombustível, em biomassa, em compostagem… enfim, tem toda essa lógica de utilizar inovação para melhorar os serviços públicos, para otimizar, para gerar novas fontes de receita, para estancar alguns custos, como também para melhorar a qualidade do serviço e depender cada vez menos desse modelo burocrático que está muito ligado a um excesso de processos, muito papel para uma lógica de um governo digital horizontal.

Então, eu diria que a inovação tem um papel chave para gerar novas receitas e para reduzir custos, além da necessidade da gente construir um novo modelo organizacional que não o burocrático para os governos, para tanto, trabalhamos muito sobre a possibilidade de modelos mais flexíveis. Eu acho que tem uma transição aí nos próximos anos que vai ter que acontecer, que é do modelo burocrático para uma burocracia criativa, para um novo modelo que a gente ainda não possui, mas que eu acredito que seja um modelo ágil, flexível, enxuto, com muita tecnologia embarcada.

> Em sua experiência como Head de Inovação na Prefeitura de Porto Alegre, quais foram os maiores desafios e conquistas no processo de transformação do ecossistema local?

Como o Head de Inovação da Prefeitura de Porto Alegre, acho que os maiores desafios sempre foram a resistência que a organização pública tem com relação à inovação e os inúmeros anticorpos que existem nesse modelo organizacional burocrático que espelham o que é novo sob uma desculpa da Lei de Licitações, sobre a questão de orçamento, que falta orçamento e sobre como esse modelo organizacional burocrático naturaliza os projetos que são mais tradicionais.

Na prefeitura de Porto Alegre eu considero que tivemos vários avanços. O Pacto Alegre, que é um movimento de constituição da quadrupla hélice: Poder público, sociedade civil, iniciativa privada e a academia, juntos, co-criando uma visão de futuro para a cidade e atuando para desenvolver projetos em conjunto. Acho que foi um grande avanço incluir o setor público nessa discussão coletiva de inovação.

Outro avanço foi toda a parte de ambiente regulatório. A gente revisou a Lei de Inovação, criou o fundo de inovação, que é um mecanismo importantíssimo para fomentar o empreendedorismo inovador, para atrair empresas, etc. Um outro avanço foi a Escola de Inovação, onde servidores públicos atuam sob a lógica da inovação, de trabalhar com projetos de curto prazo, com OKRs, com ferramentas ágeis, acho que foi um outro ponto super positivo. També teve toda construção do Sandbox de Porto Alegre, um ambiente para teste de soluções e inovadoras para o poder público.

Enfim, eu percebo que durante esse período na prefeitura de Porto Alegre, os desafios sempre foram internos e externos, internos com todos esses anticorpos que eu acabei de relatar e uma descrença de que o poder público não pode inovar; e externos, muitas vezes, das pessoas não acreditarem que o poder público tem que fazer parte desse processo. Então, acho que a gente conseguiu inserir o poder público com muita intensidade no processo de transformação e de inovação da cidade, tanto que o secretário atual de inovação de Porto Alegre, que é um governo do MDB inclusive, é o professor Luiz Carlos, coordenador do Pacto Alegre, o que demonstra o quanto o setor público abraçou a ideia, trabalhou para que a inovação de fato gerasse resultados para a cidade e os resultados são vários: a implantação do Instituto Caldeira; a realização do Salt Summit, que é um dos maiores eventos de inovação hoje do Brasil; enfim, são vários reflexos desse movimento de atuação conjunta.

> Quais são as principais diferenças entre inovar no setor público e no privado? Como essas diferenças impactam a gestão de um município?

Inovar no setor público exige uma visão ampla sobre o impacto e os resultados dessa inovação das portas para dentro. Como melhorar os serviços públicos e transformar o modelo organizacional burocrático em um modelo mais inovador? Aqui, os desafios são de ordem legal. Tem uma lei que limita muitas coisas, a Lei de Licitações, e outras leis que tratam sobre as questões das prefeituras, Lei Orgânica, PPA, LDO, LOA, todo esse pacote orçamentário que o gestor tem que dominar para poder entender e compreender como vai fazer para inovar das portas para dentro e a inovação das portas para fora também.

Há também o desafio de mensuração de resultados, que muitas vezes são de médio e longo prazo e que, por vezes, são intangíveis. Por exemplo, se eu crio um ambiente regulatório favorável para a inovação, crio mecanismos de investimento nos empreendedores, eu estou consequentemente trabalhando a manutenção dos talentos do território, porque estou criando uma cidade cada vez mais propícia para que nasça o empreendedorismo inovador. E é difícil de mensurar esses resultados. Mas o poder público tem que trabalhar nessa dinâmica de acreditar nas suas políticas e de trabalhar com resultados intangíveis tanto quanto no setor privado, onde a dinâmica é muito materialista: se eu invisto X eu quero que volte 2X. Eu tenho que assumir riscos que são diferentes do gestor público, mas extremamente desafiadores para ambos.

A gente vê uma grande necessidade de inovação no privado com todas essas mudanças de Inteligência Artificial, automação, transformação digital, e o que se percebe é que algumas empresas ainda possuem uma resistência bem grande a trabalhar isso. É um risco muito grande, porque boa parte delas vai deixar de existir, caso não faça essa grande transformação.

> O senhor é conhecido por seu trabalho com inovação e transformação digital. Quais tecnologias emergentes o senhor acredita que terão maior impacto na administração pública nos próximos anos?

Eu acredito que existem uma série de tecnologias portadoras de futuro, a gente está vivendo indiscutivelmente a maior revolução da história da humanidade, se lá na revolução industrial que impactou toda a cultura, o formato de como a gente estrutura as escolas, estrutura governos etc. O grande advento dessa revolução foi a máquina vapor, agora a gente está vivendo no mínimo seis grandes blocos de tecnologias revolucionárias que, juntas, estão promovendo uma grande revolução tecnológica. Estamos falando, por exemplo, de inteligência artificial, que é a bola da vez, o epicentro da grande transformação. Isso vai impactar muito nas prefeituras, em todo o processo, inclusive burocrático, de uma grande mudança e transformação e aceleração desses processos repetitivos para um modelo autônomo mais eficiente.

A gente tem o bloco de tecnologia ligada a blockchain, de redes distribuídas de tecnologia para poder contribuir e ampliar as questões de eficiência. Isso vai impactar muito nas questões legais dos municípios, nas questões que envolvem a Procuradoria-Geral do Município, contratos, assinaturas, toda essa transformação digital, desse modelo de documentos. E também vai impactar numa série de outras questões, por exemplo, criptomoedas. Tem estudos que apontam que cada cidade vai ter o seu próprio dinheiro, ele vai ser todo digital, ligado às questões de blockchain, realidade virtual e realidade aumentada. Cada vez mais a gente vai ver isso se acelerar, internet das coisas, IoT, que vai impactar brutalmente também nas questões que envolvem políticas públicas de saúde, de mobilidade, poder acompanhar tudo em tempo real com dados, com muitos sensores e etc. Tudo impulsionado muito fortemente por uma hiper conectividade, entrada de 5G, etc.

A gente vai ter muito trabalho! Nas cidades, nas prefeituras, no setor público, para poder acompanhar essas dinâmicas e poder respondê-las. Vamos precisar cada vez mais de governos responsivos, poder responder às demandas da sociedade, utilizando essas tecnologias, embarcando elas para ter governos cada vez mais ágeis e eficientes, e fomentando a utilização delas para que novos negócios surjam, para que a educação melhore, para que nós tenhamos talentos ligados a essa nova economia.

> Como o FUGlab e outras iniciativas semelhantes podem apoiar gestores públicos a implementar práticas inovadoras em seus municípios?

Sobre a iniciativa do FUGLAB, eu não conheço projetos semelhantes. Inclusive quero parabenizá-los por estarem reunindo candidatos a vereador, prefeitos, deputados, gestores públicos para essa discussão. Porque é de extrema relevância, é extremamente importante que a gente compreenda que a inovação não é espuma, ela é sabão. Não é só pirotecnia de um aplicativo milagroso que vai salvar e vai resolver todos os problemas da cidade. É muito mais sobre uma nova forma de pensar e de agir e de resolver problemas do que propriamente um aplicativo tecnológico milagroso.

A tecnologia é meio para a gente conseguir resolver os problemas de uma maneira inovadora. Então, quando a gente reúne gestores, prefeitos, servidores, enfim, todo o pessoal que vai ser reunido nessa palestra e nesse grande tanque de pensamento, é extremamente relevante e importante que gere uma curiosidade, amplie repertório, para que depois a gente possa dar sequência nesse processo influenciando positivamente e construindo esses governos do futuro.

> Quais estratégias de inovação podem ser aplicadas para melhorar o relacionamento entre a administração pública e os cidadãos?

Acho que aqui tem vários movimentos que podem ser realizados. O primeiro grande ponto é colocar o cidadão no centro do processo. Se tu pegar esses modelos organizacionais de empresas digitais, de startups e soluções renovadoras, a premissa é sempre colocar o cliente no centro do processo, o usuário no centro do processo e o governo, as prefeituras, a administração pública municipal, tem que começar por aqui, colocando o cidadão no centro do processo. A partir disso, ele vai certamente desenvolver projetos e desenvolver políticas que estão sempre conectadas às necessidades desse cidadão. Isso vai exigir uma escuta ativa para entender de fato qual a demanda desse cidadão e uma ação rápida, eficiente, ágil, para direcionar orçamento, políticas públicas que estejam adequadas a resolver esse problema.

O grande ponto é que o poder público, ao invés de pensar políticas públicas de dentro lá dos seus gabinetes, deve e tem cada vez mais ferramentas e metodologias para potencializar essa escuta ativa e esses projetos práticos, rápidos, ágeis que avançam para resolver os desafios das cidades. Dando um exemplo: se a gente tem nas cidades uma fuga de talentos, por exemplo, a gente tem que entender porque que esses talentos estão indo embora das cidades. Muitas vezes é porque as cidades não proporcionam o que os talentos desejam. Segurança, condições dos talentos poderem tirar suas ideias do papel e transformarem em projetos, empresas legais para que eles trabalharem, espaços de entretenimento e lazer. Portanto, tudo precisa ser pensado sobre a ótica do usuário, do talento, e a partir daí desenvolver políticas públicas que resolvam esses dilemas e mantenham os talentos nas cidades. Uma cidade sem talentos é uma cidade sem futuro.

Exemplificando como o governo pode melhorar sua comunicação com o cidadão é colocando ele no centro do processo e pensando políticas da vida real, inovadoras, diferentes, com um processo de comunicação. São muito mais fluidos, muito mais direto, com mais escuta ativa e com ações propositivas e ligadas a essas demandas do cidadão.

> O senhor atua também como CEO da Wise Innovation. Como a experiência empreendedora influencia sua visão sobre a gestão pública?

Atuei durante 14 anos na área pública e eu considero que eu sempre fui um intra-empreendedor. O empreendedor vai muito além daquele cara que abre um CNPJ. O empreendedor é quase que um sentimento, um estilo de vida, uma forma de encarar e enxergar o mundo.

Eu sou advogado de formação, tenho mestrado de Antropologia e eu nunca conseguia entender alguns processos dentro da prefeitura. Muitas vezes eu ia fazer algum projeto, ia propor alguma ação nova e logo de imediato as pessoas pensavam, “por que você está fazendo isso? No final do mês você vai ganhar a mesma coisa”, ou “não faz isso porque não dá, é proibido por lei”. Eu nunca fui aquele tipo de servidor que aceitava essas respostas curtas e desesperançosas. Eu estava sempre me incomodando e buscando fazer diferente. Então, fui um interempreendedor no setor público

Quando eu fundei a Wise Innovation, comecei a ver o quanto esse espírito de interempreendedorismo é necessário para que o poder público se reinvente. Inclusive eu tenho defendido a tese de que a gestão pública precisa de mais empreendedores públicos e não gestores públicos, porque o gestor muitas vezes faz a gestão dos problemas e o empreendedor está sempre buscando soluções inovadoras.

Minha visão como fundador da Wise e CEO da Wise, que está atuando em mais de 20 cidades em quatro estados diferentes, é de que a gente precisa muito fomentar o empreendedorismo, tanto das portas para dentro da prefeitura quanto das portas para fora. Estabelecer hubs de inovação, mecanismos de investimento nesses empreendedores, cursos, fazer uma grande revolução na educação municipal para que tenhamos cada vez mais empreendedores, pessoas que se incomodem com o status atual.

A gente está vivendo agora uma crise das queimadas, de tudo o que está acontecendo, precisamos de líderes que se incomodem com isso e resolvam esse problema, buscando referências em outros países, mas principalmente colocando a mão na massa. Menos diagnóstico, mais ação, esse é o ponto.

> Em sua opinião, como as prefeituras de cidades menores podem adotar práticas inovadoras com recursos limitados? Quais são as principais ferramentas disponíveis?

A grande questão é que a inovação vai ajudar a gerar novas receitas e a reduzir despesas, e isso independe do tamanho da prefeitura. Existem cidades, por exemplo, como Santa Rita do Sapucaí, em Minas Gerais, que se transformou num grande polo de inovação e era uma cidade considerada pequena. Existem municípios como Encantado, por exemplo, de 25 mil habitantes, que também era considerada uma cidade pequena e acabou de dar um salto de 50 posições no IDEB porque resolveu aplicar o recurso financeiro de uma maneira inovadora em projetos diferentes, com foco numa visão de futuro para os próximos 10 anos.

A dica que eu dou para as cidades pequenas é primeiro consolidar uma visão de futuro de médio e longo prazo e, a partir disso, definir quais são os principais desafios em cima do orçamento existente, quais os desafios que podem ajudar a ampliar o orçamento, reduzir custo e gerar resultados no curto prazo. Os resultados de curto prazo acabam cada vez mais alimentando o sonho das pessoas da comunidade, do próprio poder público, de que é possível alcançar essa visão de futuro mais de longo prazo. Dessa forma, novos parceiros acabam entrando para ajudar a construir essas cidades do futuro independente do tamanho delas.

> Quais são os principais erros que as administrações públicas cometem ao tentar implementar soluções inovadoras, e como evitá-los?

O primeiro grande erro é iniciar o processo todo copiando o que outras cidades já desenvolvidas fazem ou fizeram. E por que eu relato esse erro? Porque cada cidade tem uma história, cada cidade tem quase que uma personalidade. E é extremamente importante engajar os atores para entender o que a cidade de fato possui como recursos disponíveis e como ameaças. Qual é a matriz econômica da cidade? Qual é o perfil do cidadão? Qual é o histórico da cidade? Acho que antes de se pensar em novidades, é preciso ter uma visão muito clara sobre oportunidades, ameaças, forças, fraquezas e, a partir dessa compreensão do território, dessa compreensão do atual contexto, criar uma visão de futuro convicente, um imaginário convocante em que possa engajar os demais atores.

O que normalmente acontece é que se confunde inovação com tecnologia e se dá um control C, control V, numa Lei de Inovação de uma cidade que tem outras características. Envolve-se muito pouco o setor privado, acadêmico, a sociedade civil, e o projeto acaba não tendo líderes e não tendo engajamento e nem governança para poder se transformar num projeto sustentável.

> Para finalizar, como o senhor enxerga o papel da educação e capacitação de servidores públicos na construção de uma cultura de inovação sustentável no setor público?

Enxergo como chave esse processo. Inclusive, hoje a gente vem fazendo isso em Lajeado, em Gravataí, ambas no Rio Grande do Sul, em inúmeras cidades, e é fundamental que a gente tenha cada vez mais a cultura da inovação dentro do setor público, que a gente consiga estabelecer laboratórios de inovação no setor público, trilhas de aprendizagem ligadas às questões que envolvem a inovação, tecnologia, dados, inteligência artificial, enfim, todas essas transformações em trilhas de aprendizagem.

Mas o que que eu recomendo é que sempre esses processos de formação tenham três camadas importantes. A primeira delas é repertório, trazer cases de outros lugares, inspirar os servidores. A segunda camada é de ferramentas. A gente precisa cada vez mais incluir metodologias ágeis, trabalhar com OKRs, trabalhar com outras metodologias e com ferramentas tecnológicas, como IA, para poder acelerar o processo, para poder tornar ele mais assertivo, mais eficiente, etc. E o terceiro ponto é a aplicação. Não adianta ter um repertório maravilhoso, se inspirar, ter uma ferramentas incríveis e não aplicar isso. Então todo esse conhecimento e essa informação na gestão pública, ela tem que estar sempre ligada às questões práticas. Esses servidores têm que ser desafiados. Confiados a colocar projetos no papel e tirar esses projetos do papel!