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O que é compliance. E por que as empresas brasileiras têm aderido à prática

01/12/2017

Em 2001, a revelação de que a empresa americana do setor de energia Enron vinha manipulando sua contabilidade para esconder bilhões de dólares em dívidas de acordos e projetos fracassados fez com que o preço de suas ações caísse de US$ 90 para menos de U$ 1 em pouco mais de um mês.

O colapso de uma das maiores companhias dos Estados Unidos foi seguido da revelação de fraudes em outras gigantes, como Tyco, WorldCom e Adelphia, acabando com milhares de empregos. Como uma reação à crise, importantes executivos foram presos e novas legislações entraram em vigor.

O professor da FGV especializado em governança corporativa Daniel Tonon afirma que o escândalo da Enron e as mudanças que ele suscitou levaram ao crescimento e ampliação do mercado de compliance nos Estados Unidos.

O compliance é uma prática corporativa que pode ser tocada por um departamento interno da empresa ou de forma terceirizada. Seu objetivo é analisar o funcionamento da companhia e assegurar que suas condutas estejam de acordo com as regras administrativas e legais, sejam essas regras externas (do país, estado e cidade onde ela atua) ou internas (da própria empresa).

A multinacional Siemens ajudou a colocar o assunto na pauta política do Brasil em 2013. A própria empresa confessou a entidades antitruste brasileiras participar de um cartel para a compra de equipamento ferroviário, manutenção e construção de linhas de trens e metrô no Distrito Federal e em São Paulo.

O esquema foi detectado pelo seu setor interno de compliance, criado em 2007 após um escândalo revelar que a multinacional, que tem sede na Alemanha, vinha pagando propina em diversos países.

No ano seguinte, a Operação Lava Jato se tornou pública com sua primeira grande rodada de prisões e apreensões. Elas levariam à condenação de executivos de algumas das maiores construtoras do país em razão de um megaesquema de corrupção na Petrobras.

A avaliação de Tonon é que, assim como ocorreu com o escândalo da Enron nos Estados Unidos, a Lava Jato está levando a um fortalecimento da prática de compliance no Brasil.

Segundo informações do jornal O Estado de São Paulo, a Odebrecht, por exemplo, aumentou seus investimentos no setor desde 2015, quando o presidente da empresa, Marcelo Odebrecht, foi preso. Naquele ano, a verba era de R$ 11,3 milhões. Em 2016, o investimento foi para R$ 24,3 milhões, e em 2017 deve chegar a R$ 64,8 milhões.

Um relatório publicado em 2017 pela consultoria KPGM traz informações obtidas junto a executivos de 250 companhias atuantes no Brasil sobre seus setores de compliance – 54% delas têm faturamento maior que R$ 1 bilhão. Os dados são de 2016, e são comparados com informações obtidas em um relatório anterior, referente a 2015.

O documento aponta que, entre os dois anos, caiu a proporção daquelas que não têm setor de compliance. E aumentou a proporção das que gastam mais de R$ 2 milhões com o seu departamento próprio.

 

Mudanças na legislação tiveram papel decisivo

De acordo com Tonon, ao se utilizar de autorizações judiciais para realizar escutas telefônicas e monitoramento de dados, a Lava Jato teve um impacto inédito. A operação contra a corrupção teve início em março de 2014 com foco em doleiros, e acabou revelando o esquema de corrupção envolvendo contratos bilionários de empreiteiras com a Petrobras e outras estatais brasileiras.

A condenação de nomes como Marcelo Odebrecht mudou a forma como executivos encaram crimes empresariais. “Antes você tinha investigações por corrupção que começavam natimortas, em delegacias de polícia que recebiam pressões diversas de políticos”, afirma.

Além das punições diretas geradas pela Lava Jato, mudanças anteriores – que permitiram a própria existência da operação -, como o fortalecimento da Polícia Federal e do Ministério Público no início dos anos 2000 e a criação da lei contra a Lavagem de Dinheiro, em 2012, tornaram a adoção de práticas ilegais um problema maior para empresas. Com essa lei, as multas passaram de R$ 200 mil para até R$ 20 milhões, por exemplo. Tonon destaca especialmente a Lei Anticorrupção de 2013, regulamentada em 2015, que:

– Foca especialmente em quem corrompe, e não em quem é corrompido

– Alcança não só pessoas físicas, como empresários, mas também pessoas jurídicas, as empresas. Isso significa que simplesmente demitir funcionários responsáveis por ilegalidades não encerra uma crise

– Estabelece que, além de multas fixas, empresas podem ter que pagar de 0,1% a 20% de seu faturamento bruto anual como multa. O valor nunca pode ser menor que a vantagem obtida

– Determina que empresas podem ser dissolvidas como punição

– Centraliza na Controladoria-Geral da União o papel de fiscalizar e julgar irregularidades contra a administração pública nacional e estrangeira

Em tese, um setor de compliance bem estruturado pode ajudar uma empresa a evitar que seus funcionários cometam irregularidades – algo especialmente difícil para aquelas que são grandes e descentralizadas. Por isso, é comum que divulguem investimentos no setor como forma de assegurar a acionistas de que há menos riscos de que escândalos surjam.

 

Como funciona um sistema de compliance

O verbo inglês “comply” significa cumprir. No mundo dos negócios, “compliance” se refere ao ato de cumprir as regras. Praticar compliance se assemelha, em grande medida, ao papel das auditorias internas ou externas, que são a análise periódica de informações fornecidas pelas empresas para verificar se essas estão de acordo com as regras.

Uma diferença essencial, no entanto, é que os setores de compliance realizam essa verificação com frequência, acolhem denúncias e realizam treinamentos com o objetivo de fortalecer a prática do cumprimento das regras.

Segundo Tonon, o setor de compliance precisa ser independente de outros da companhia. Por isso, idealmente não deve ser realizado, por exemplo, por advogados que lidam com disputas jurídicas normais, já que eles poderiam receber a tarefa de verificar se a empresa está lidando de forma regular com casos nos quais estão envolvidos.

Apesar de lidar com legislação, a prática de compliance é frequentemente realizada por profissionais que não vêm do direito, mas de áreas como administração, contabilidade ou economia.

Segundo Tonon, eles podem atuar na prevenção, estruturando treinamentos sobre legislação e ética e temas como abuso moral ou oferecimento de propina.

E também combater irregularidades em curso. O departamento de compliance pode receber denúncias de outros funcionários e deve ter o poder de entrevistar pessoas e ter acesso a documentos. O relatório da consultoria KPMG recomenda que o setor faça relatórios periodicamente a instâncias superiores da empresa, como conselho de administração e diretoria, e que passe por avaliações.

A regulamentação de 2015 da Lei Anticorrupção indica que controles internos de empresas devem contar com:

– Comprometimento de membros da ‘alta direção’

– Existência de padrões de conduta e código de ética

– Treinamentos periódicos sobre o programa de integridade

– Independência

– Canais de denúncia

– Medidas disciplinares em caso de violação

– Quando irregularidades forem detectadas, elas precisam ser interrompidas e os danos, remediados

 

Esta matéria foi publicada originalmente em NEXO JORNAL, no dia 24 de julho de 2017. Link para matéria: http://bit.ly/2jxivMJ