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Política tem lado? Sim e não. Uma pequena reflexão para entender o Centro Democrático

27/08/2024

Por José Fogaça

Recentemente temos acompanhado na imprensa o ataque que vem sendo desferido contra os órgãos de regulação no Brasil. No Brasil, o caso da empresa concessionário do aeroporto Salgado Filho tem sido um caso dramático. Apesar de estar localizado no extremo sul, o RS não deixa de ser um estado importante para a economia do país. Desde maio dese ano, no entanto, este estado, que é um dos maiores exportadores do Brasil, não tem um aeroporto para manter sua economia em conexão com os outros estados e com o resto do mundo.

Há um preconceito no governo federal contra os órgãos de regulação, como a ANAC, Agência Nacional de Aviação Civil. Este preconceito está baseado em “um lado político”, o lado que considera as agências reguladoras um produto das privatizações. Este preconceito, baseado em uma visão de que política tem lado, impede que se reconheça no Brasil que as concessões públicas a empresas privadas têm que levar em conta o desequilíbrio dos contratos.

Tem um jargão que, mesmo sendo muito repetido por pessoas muito convictas do que estão dizendo, sempre me deixou cismado. É um conhecido enunciado político que realmente tem uma certa aparência de verdade. Essa formulação política, no entanto, me deixa intranquilo. E me sinto inclinado a não considerá-la absoluta e inquestionável. Não sei quantas vezes ouvi esse ditado ao longo das minhas andanças políticas. As pessoas que o dizem têm certeza inafastável de que estão dizendo algo perfeito e definitivo. “Política tem lado”, é dito e repetido com curiosa asseveração.

Seria impróprio dizer que é um mero clichê. É evidente que você deve ser fiel aos preceitos com os quais se comprometeu. Mas isso não pode um dogma, uma camisa de força. Não consigo ver nessa frase um pensamento que não possa e não deva ser discutido. Não é meu desejo levantar dúvidas vazias. Entendo apenas que é necessário discutir a validade e o alcance dessa conhecida e tão consagrada máxima.
No futebol, por exemplo, essa frase tem, de fato, razoável cabimento. Os torcedores de futebol costumam ter um lado. Eles têm um lado. É natural. Contra tudo e contra todos. A paixão futebolística não admite incertezas ou questionamentos. O torcedor de futebol tem lado e não atravessa essa fronteira de modo nenhum. Se o fizer, deixa de ser um torcedor. Tudo perde o sentido.

No entanto, em política, essa frase pode acabar servindo de argumento introdutório, na verdade, para uma forte tendência ao sectarismo e à irracionalidade. Quando se diz “política tem lado”, esse adágio pode estar a serviço de um posicionamento de inflexibilidade e irredutibilidade cujas consequências podem ser danosas. No universo da política e da ideologia, geralmente esse posicionamento acaba se associando também à intransigência e à indisposição para o diálogo sincero.

Não é nada fácil para algumas pessoas distinguir política e Política. O cenário em que nos inserimos pode ser recorrentemente invadido pelo interesse de classe, pelo interesse econômico ou pelo interesse estritamente pessoal.

Para quem faz política apenas como se estivesse em uma rinha, buscando tão somente a escalada de posições e poder, realmente a tese se mostra egoisticamente útil. Para o individualista, que associa as relações políticas com suas necessidades pessoais, isso pode funcionar por algum tempo. Ele perde o horizonte de escolhas, nunca ultrapassa o limitado terreno dos seus dogmas, ganha espaço e força dentro de seu grupo, mas não consegue ser um verdadeiro protagonista do bem comum.

Certos modos de ver o mundo, quando limitados por um sentimento de defesa e autopreservação também podem gerar posturas sectárias. Quando a cena política é dominada, por exemplo, pelo partidarismo, pelo hegemonismo autorrefente, pelo eleitoralismo, pela xenofobia, pelo racismo, pela homofobia, pelo identitarismo excludente (que é diferente da defesa de causas identitárias) e outras formas de comportamento contemporâneas, realmente o que acaba acontecendo é que as pessoas terminem se fechando em uma concha política. Essas linhas de pensamento traçam à sua frente uma linha reta intransponível e estabelecem um confronto e uma rígida impermeabilidade entre o seu lado e o dos outros. A democracia, o diálogo e a tolerância simplesmente se tornam referências vazias.

Tenho refletido detidamente sobre isso isso e apenas tenho constatado que esse modo de ver o mundo só acaba por nos tornar mais pobres politicamente. Nunca pensei que iria algum dia escrever sobre isso, mas estes tempos de polarização e excludência me fizeram ver esta reflexão como necessária.

Essa separação rígida, produzida pelo ladismo político, muitas vezes nos cega. A emocionalidade do grupo oblitera a razão. A capacidade de discernimento desaparece. Não enxergamos (ou nos negamos a enxergar) os graves erros dos nossos líderes. Ou, olhando por outro ângulo, não enxergamos (ou nos negamos a enxergar, bloqueamos com uma muralha da China) os clamores e as razões da população que apoia nossos opositores. A política se torna algo hepático, figadal. Passamos a traçar uma linha divisória que nos separa irremediavelmente dos familiares, dos amigos, dos vizinhos, dos colegas de trabalho. Ao invés de inspiração, imprimimos dor e desalento à política. Tornamos o mundo pior do que poderia ser.

Autores José Fogaça